Você sabia que a vida de milhões de moradores de grande parte da Região Metropolitana de Belo Horizonte e do estado de Minas Gerais só é garantida pela existência das águas do Rio das Velhas? E que sem ele, hoje, talvez a sexta maior cidade do país seria apenas um “deserto” de concreto fantasma?
Mesmo diante dessa dependência de “vida ou morte”, poucos moradores sabem de uma situação gravíssima: Já na sua principal nascente, esse rio recebe milhares de litros de esgoto sem nenhum tratamento.
Nós, do Lei.A, resolvemos subir o Velhas. Chegar até às suas nascentes mais altas, no município de Ouro Preto, para conhecer essa situação. Voltamos, produzimos e agora trazemos um conteúdo capaz de ampliar o seu conhecimento para que possa conhecer, monitorar e agir em defesa do nascedouro desse rio fonte de vida.
Para facilitar o entendimento e dar mais tempo à reflexão, transformamos o conteúdo numa série de três episódios baseados no nosso conceito de comunicação ambiental. O primeiro deles, baseado no #Conheça, traz um pouco da história do Rio das Velhas, de suas nascentes e de sua biodiversidade. Explica ainda como é feita a gestão de suas águas. No segundo, sob o viés do #Monitore, traremos os problemas socioambientais que ameaçam o Rio das Velhas já no seu nascedouro, como esgoto, pressão de uso e ocupação do solo, controle e fiscalização questionáveis. No terceiro e último episódio, o #Aja trará uma série de dicas para que você possa denunciar a degradação da principal fonte de vida de boa parte de Minas Gerais.
Portanto, fica o convite para o início dessa jornada: vamos conhecer as nascentes do Rio das Velhas?
A história do Rio das Velhas
A história humana no Rio das Velhas remonta aos mais remotos ocupantes do território brasileiro. O mais antigo fóssil humano encontrado nas Américas, que ganhou o nome de “Luzia”, foi encontrada a poucos quilômetros da calha do Rio das Velhas.
Depois seguiram-se as ocupações indígenas que batizaram o rio de Goaibihi, Guaibi-ig, Waim-ig, Gwammi ou ainda Uaimií, grafias dadas pelos portugueses, cuja denominação em tupi tinha o significado de “rio das Velhas”.
Não é à toa que a foz do Rio das Velhas, no seu encontro com o Rio São Francisco, está localizada no distrito da cidade de Várzea da Palma chamado “Barra do Guaicuí”, que remonta ao nome indígena dado a esse que é o maior rio totalmente em terras mineiras.
Historiadores relatam que os primeiros povoadores bandeirantes vieram para a região de Ouro Preto partindo do sul de São Paulo, passando por Sabará, e os portugueses vieram de São Paulo pelo Rio das Velhas, ainda no século XVII. Até o segunda metade do século XIX, o Rio das Velhas era totalmente navegável de Sabará até a foz, servindo como um dos principais canais de ligação entre a região das Minas aos sertões das Gerais.
A partir de então, o rio serviu de cenário para o assassinato dos povos originários e de referência para as bandeiras e ocupações, além da exploração de riquezas naturais, especialmente dos minérios encontrados na sua calha e nos afluentes, além daqueles aflorados nas montanhas da região.
O aumento das ocupações e o alcance da urbanização às margens do rio e seus afluentes gerou variadas consequências, desde a necessidade de captação de água para o abastecimento humano, para matar a sede de animais, para o uso industrial e para o lazer, até a poluição, com o lançamento de esgotos, lixo e resíduos industriais.

A cidade de Sabará era o ponto de partida do trecho navegável do Rio das Velhas. Hoje é uma das suas partes mais degradadas por esgoto, lixo e assoreamento. Fonte da imagem: CBH Velhas
As nascentes altas do Velhas
Falamos no início desse conteúdo que as nascentes do Rio das Velhas encontram-se em Ouro Preto. Mas o que vem a ser uma nascente e qual a sua importância?
A nascente de um rio pode ser considerada como o local onde a água emerge naturalmente do solo ou da rocha para a superfície. Embora a formação dos rios seja cíclica, simbolicamente, a nascente é onde se inicia a vida de um rio. Não é à toa que o rio, ribeirão ou córrego é denominado de corpo hídrico.
A preservação da área adjacente da nascente possibilita maior absorção das águas da chuva e, por consequência, maior vazão da água do rio. Esse, por sua vez, proporciona o abastecimento de água para a população, a vida aquática, das plantas, dos animais, a regulação do clima, o uso industrial e pela agricultura, o lazer, entre outros.
Dada a importância para a produção de água e para a vida, a Lei Federal nº 12.651/2012, determinou que o entorno das nascentes deve ser preservado, considerando-o como áreas de preservação permanente.
Voltando às nascentes do nosso “Rio Guaicuí”… Elas formam a cabeceira do Rio das Velhas numa região chamada Serra do Veloso ou “Camarinhas”, no município de Ouro Preto. Com o objetivo de protegê-las, foi criado pela Lei Municipal nº 305/68, posteriormente alterada pelas Leis Municipais nº 69/05 e 139/005, o Parque Natural Municipal da Cachoeira das Andorinhas.
O Parque da Cachoeira das Andorinhas, como é popularmente conhecido, é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral com 577 hectares, sede na Avenida das Andorinhas, bairro Morro São João, S/N, Ouro Preto, MG, rodeada pelos bairros Morro São Sebastião, Morro São João, Morro Santana e o Morro da Queimada.
VEJA AQUI A LEI DE CRIAÇÃO DO PARQUE – https://sgm.ouropreto.mg.gov.br/arquivos/norma_juridica/NJ_txt(2207).html
Composto por uma beleza cênica extraordinária e fauna e flora extremamente ricas, com muitos endemismos (espécies que ocorrem apenas ali), o parque é aberto à visitação pública.
Com o mesmo objetivo de proteger as nascentes que dão origem ao Rio das Velhas e região adjacente, o Estado de Minas Gerais criou através do Decreto nº 30.264, de 16/10/1989, a Área de Proteção Ambiental (APA) Cachoeira das Andorinhas, Unidade de Conservação de Uso Sustentável também localizada no município de Ouro Preto e, em parte, sobreposta à área do Parque Municipal.
VEJA AQUI O DECRETO DE CRIAÇÃO DA APA – https://documentacao.socioambiental.org/ato_normativo/UC/4487_20200510_224358.pdf
As nascentes mais altas do Velhas têm, no mínimo, dupla proteção legal: são áreas de preservação permanente (APPs) e estão inseridas em até duas unidades de conservação.
Em 2016, o Parque teve suas regras de uso definidas no Plano de Manejo. O estudo que gerou este documento constatou a expansão urbana, a extração ilegal de recursos naturais, a falta de regularização fundiária e o saneamento básico como principais ameaças à integridade dos atributos do Parque.
ACESSE AQUI O PLANO DE MANEJO DO PARQUE – https://parquedasandorinhas.ouropreto.mg.gov.br/
Parque da Cachoeira das Andorinhas: atrativos para visitação
O Parque Natural Municipal Cachoeira das Andorinhas possui inúmeros atrativos, tanto para a comunidade do entorno quanto para turistas. São quedas d’água e piscinas naturais para banho; trilhas demarcadas para caminhada; mirantes que propiciam vistas de paisagens montanhescas incríveis e oportunidade para os amantes da fotografia registrarem a fauna e flora.
De acordo com o plano de manejo, os atrativos do Parque para os visitantes são:
- Cachoeira das Andorinhas
- Cachoeira da Folhinha
- Cachoeira Véu das Noivas
- Cachoeira dos Pelados
- Cachoeira Poço do Baú
- Mirante do Vermelhão
- Mirante do Véu das Noivas
- Mirante da Pedra do Jacaré
- Setores de escalada (bouldering)
- Quadras poliesportivas
- Áreas de churrasqueiras
Os atrativos mais visitados são a Cachoeira das Andorinhas, uma queda d’água que desce na fenda de uma rocha, e a Pedra do Jacaré, uma rocha com formato da cabeça desse animal que proporciona uma vista do vale da cabeceira do Rio das Velhas.
Embora não exista um controle de entrada e saída, pois são várias as trilhas que dão acesso ao parque, segundo o seu gestor, Edenir Ubaldo Monteiro, estima-se que em época de verão, cerca de 5.000 pessoas visitam a unidade por mês, enquanto, no inverno, são contabilizadas aproximadamente 1.500 pessoas/mês. Grande parte dos visitantes são moradores da comunidade do entorno e ouropretanos.
A biodiversidade associada às nascentes do Rio das Velhas
As partes altas da Serra do Veloso, onde nasce o Rio das Velhas, no entorno do parque, pertencem ao domínio da Mata Atlântica e abrigam uma riquíssima biodiversidade. A região está em elevada altitude, entre 1300 e 1500 metros. O que lhe confere outro charme: está frequentemente coberta por neblina, o que recebe o nome de “florestas nebulares”.
A equipe do Lei.A esteve no Parque da Cachoeira das Andorinhas e no seu entorno na companhia da professora da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) Livia Echternacht, bióloga pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e doutora em Botânica pela Universidade de São Paulo (USP) e pelo Muséum National d’Histoire Naturelle, na França.
De acordo com a professora, a água das nuvens cria condições excepcionais de umidade para a ocorrência de plantas como bromélias, orquídeas e tantas outras belas espécies.
Pesquisa feita pela bióloga Clara da Cruz Vidart Badia (“Plantas rupícolas e onde habitam: composição florística em diferentes habitats de afloramentos quartzíticos na Área de Proteção Ambiental Cachoeira das Andorinhas” de 2018) apontou que, em uma pequena área (1500 m²) na Serra do Veloso (Camarinhas), sobre as rochas, foram encontradas 78 espécies de plantas, incluindo espécies ameaçadas de extinção e endêmicas da região, como por exemplo o Hippeastrum morelianum e a Barbacenia damaziana, respectivamente.
Echternacht nos ensina que as inúmeras espécies, embora muitas vezes não tenham uso direto para as sociedades humanas, aumentam a resistência e a resiliência da natureza, que ficam reduzidas quando as espécies são extintas e a diversidade diminui. “Perante a crise ambiental e climática que a humanidade começa a enfrentar em escala global no século XXI, manter a biodiversidade é fundamental para a sobrevivência da nossa própria espécie. Nas nascentes do Rio das Velhas, isso se torna ainda mais importante, visto que esta biodiversidade está associada à recarga hídrica que abastece as casas da região mais povoada de Minas Gerais”, ressalta a professora.
A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas
Além das suas nascentes em Ouro Preto e de sua calha principal até a foz no Rio São Francisco, o Rio das Velhas forma uma bacia que abrange 51 municípios, de Ouro Preto a Pirapora. Daí você pode começar a imaginar a importância dele para manter a vida.
A captação da água para Belo Horizonte, por exemplo, é feita diretamente no rio, no reservatório Bela Fama, distrito de Honório Bicalho, em Nova Lima. No entanto, a garantia do volume necessário para a captação e o abastecimento da população depende da produção de água que vem da calha do Rio das Velhas e seus afluentes, na região do Alto Rio das Velhas, em Ouro Preto e Itabirito.
A gestão das águas no país e o Velhas nesse contexto
Ao longo dos anos, diante da degradação não só do Rio das Velhas, mas de todas as águas do país, além dos conflitos sobre os variados usos, verificou-se a necessidade de criação de uma política nacional, o que acabou gerando a Lei nº 9.433/1997 (Política Nacional de Recursos Hídricos), que estabelece o conceito de Bacia Hidrográfica como a unidade territorial para a implantação de políticas públicas para a gestão das águas. A Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas é uma dessas unidades.
A gestão das águas da bacia hidrográfica é compartilhada entre o poder público e a sociedade, tendo como órgão colegiado local o Comitê de Bacia Hidrográfica que, no âmbito de sua área de atuação, promove o debate das questões relacionadas às águas, articula a atuação das entidades intervenientes, aprova e acompanha a execução de planos para a bacia, e sugere as providências necessárias ao cumprimento de suas metas.
Clique aqui e conheça do Comitê do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas): https://cbhvelhas.org.br/
Clique aqui e conheça o Projeto Manuelzão: https://manuelzao.ufmg.br/
Devido ao tamanho da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, com o objetivo de melhorar a gestão das águas do território e garantir maior aderência à realidade local, no início dos anos 2000, o Projeto Manuelzão estimulou a descentralização da gestão e do planejamento com a subdivisão da bacia em núcleos menores, denominados subcomitês. Essa experiência culminou na regulamentação pelo estado de Minas Gerais da criação de Unidades Territoriais Estratégicas (UTEs) – áreas hidrográficas com características naturais, sociais e econômicas similares – e funcionamento dos Subcomitês de Bacias Hidrográficas.
Hoje, a Bacia do Rio das Velhas é subdivida em:
Alto Velhas | Quadrilátero Ferrífero, tendo o município de Ouro Preto como o limite ao sul e os municípios de Belo Horizonte, Contagem e Sabará como limite ao norte. Uma porção do município de Caeté faz parte do Alto Rio das Velhas, tendo a Serra da Piedade como limite leste.
Médio Rio das Velhas | ao norte traça-se a linha de limite desse trecho da bacia coincidindo com o Rio Paraúna, o principal afluente do Velhas. No lado esquerdo, atravessa o município de Curvelo e, em outro trecho, coincide com os limites do município de Corinto.
Baixo Rio das Velhas | compreende, ao sul, a linha divisória entre os municípios de Curvelo, Corinto, Monjolos, Gouveia e Presidente Kubitscheck e, ao norte, os municípios de Buenópolis, Joaquim Felício, Várzea da Palma e Pirapora.
Dentro dessa subdivisão, encontram-se os Subcomitês, responsáveis pelo auxílio da gestão e do planejamento em seus respectivos territórios. Ouro Preto, local onde nasce o rio, situa-se no Alto Rio das Velhas e o Subcomitê responsável pela gestão e planejamento das águas no território é o Nascentes.
Próximo capitulo da série especial
Após conhecer a riqueza natural e a forma como é feita a gestão das águas na região do Alto Rio das Velhas, o Lei.A constatou que as nascentes e o curso do rio em Ouro Preto, fontes de vida para humanos, fauna e flora na região, estão ameaçados e a população deve estar atenta para monitorar. No próximo capítulo da nossa série especial, contaremos os problemas atuais e a forma como se dá a fiscalização. #MONITORE
3 Comments
Prezados.
Venho pedir a urgente mobilização contra a criação de uma usina de tratamento de minério na região de Ribeirão do Eixo em Itabirito, localizado as margens da BR 040 aos pés de uma grande área da Serra da Moeda, onde se encontra 21 nascentes, e onde se pretende implantar essa usina.
Essa região teria que se tornar um APP pela importância da quantidade de nascentes que fazem parte da bacia do velhas, pela pequena reserva de floresta onde se refugia um grupo de macacos Bugios, e várias especies do cerrado, eu mesmo em minhas andanças pelo local ja me deparei com o Lobo Guará.
Aguardo retorno ansioso pelo envolvimento da autoridades do manuelzão nessa causa importante.
Abraço.
Edward Manoel Santana 31 99107-6062
Fiquei encanto com a história desse famoso rio, os
mineiros podem se orgulhar e fazer de tudo por esse grande rio que tanto ajuda a população em sua viagem pelo território mineiro, rio das Velha , você faz sua parte e o povo mineiro agradece com a sua compreensão,
Gostei muito da matéria.
Parabéns………….
Seu texto ficou ótimo
So pecou com a origem de Luzia, que não é de Santa Luzia
Ela foi encontrada dentro do município de Pedro Leopoldo na lapa vermelha 4, Onde Peter Lund chamava de região de Lagoa Santa