Rio São Francisco | Quando o rio salga a vida fica mais dura!

Primeiro conteúdo da Bolsa Reportagem concedida pelo Observatório de Comunicação Ambiental (Lei.A), via recursos da Plataforma Semente, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), traz uma matéria especial sobre o drama vivido na foz do “rio da integração nacional”

Negligência ambiental provoca a salinização das águas do Velho Chico, comprometendo a vida humana e de espécies que habitam a região do Baixo do São Francisco; levantamento aponta que aproximadamente 400 mil pessoas já sofrem com os efeitos da degradação

“O alerta é global. Embora todos saibam que os estoques de água doce vêm reduzindo ano a ano por conta da degradação ambiental, os processos de salinização das águas avançam, silenciosos, em todo o mundo. Imperceptíveis a olho nu, mas visíveis no desequilíbrio dos ecossistemas e nos dados científicos, sociais e econômicos das populações afetadas, o mundo está cada dia mais salgado. E quando um curso de água, salga – seja ele rio, riacho, córrego, ribeirão ou qualquer outro, a vida desequilibra e fica mais dura para as espécies dos ecossistemas, assim como para nós, humanos – que somos os maiores responsáveis pelas atividades que resultam em degradação ambiental e na inutilização das águas.”

WALDSON COSTA, jornalista

Essa tragédia ambiental vem acontecendo por vários motivos e em todas as partes do mundo, inclusive no Brasil. Por estar longe dos grandes centros urbanos, no entanto, o tema segue como um assunto marginal. Por esses motivos, a proposta do jornalista alagoano Waldson Costa foi uma das escolhidas no primeiro Edital de Bolsa Reportagem promovido por nós, do Observatório de Comunicação Ambiental (Lei.A), com recursos de compensação ambiental, via a Plataforma Semente, do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). 

O resultado é esse conteúdo especial, que joga luz sobre o processo de salinização de um dos maiores e mais importantes rios do Brasil e do mundo, o São Francisco, que nasce em Minas Gerais, corta cinco estados e vai desaguar no Oceano Atlântico, entre os estados de Alagoas e Sergipe. 

Bolsa Reportagem | Salinização: uma ameaça silenciosa 

TEXTOS | WALDSON COSTA 

FOTOS | RUDNEY MELO 

A falta de gestão dos recursos hídricos e a contaminação acelerada das reservas hídricas vêm acelerando a salinização e a degradação de importantes estoques de água pelo mundo. Há relatos da salinização da água doce provocando transtornos em todo o planeta. 

Alguns locais foram contaminados por manejo inadequado nas atividades agrícolas, outros pelo degelo do sal aplicado contra a neve em estradas; alguns pela mineração, indústria têxtil e até mesmo pela intrusão da água do mar. Em comum em todos os casos estão os problemas ambientais, sociais e econômicos – e a responsabilidade humana. É o que explica o ecologista, professor e pesquisador do Institute of Environmental Assessement and Water Research (IDAEA-CSIC), Miguel Cañedo-Argüelles.

“A salinização desregula os ambientes provocando desequilíbrio e o bom funcionamento dos ecossistemas, gerando assim alterações que resultam do desaparecimento de espécies a riscos à saúde e à vida”, relata  Cañedo-Argüelles.

Nos estudos desenvolvidos pelo grupo de pesquisadores coordenado pelo professor, que monitora casos de salinização no mundo, o fenômeno está registrado em diferentes graus nos cinco continentes, em países desenvolvidos e subdesenvolvidos. Evidenciando que o problema da salinização da água doce acontece em ordem mundial, sem respeitar fronteiras, condições climáticas, geológicas, políticas ou econômicas.

Já foram mapeados, pelo grupo de estudo que o professor Cañedo-Argüelles coordena, processos de salinização no Mar de Aral (Ásia Central), a costa de Bangladesh, o rio Werra (Alemanha), o rio Llobregat (Espanha), o rio Colorado (EUA), o rio Nilo (Egito) e afluentes na Austrália e no Brasil. 

Cañedo-Argüelles alerta que, diante da emergência ecológica que o mundo enfrenta, é possível que muitos outros pontos também estejam em processo de salinização, embora por ausência de estudos ou menor dosagem da salinidade o problema não tenha sido ainda percebido ou notificado.

“Os processos da salinização da água doce no planeta são complexos, porque os sais estão naturalmente presentes no Meio Ambiente, e porque são inúmeros os fatores que provocam este tipo de desequilíbrio. Logo, não é visto como um problema de origem humana. Esse é um dos argumentos que se tem usado para negar a nossa responsabilidade. É algo semelhante ao que ocorre com as mudanças climáticas. Muitos rios salinizados têm uma ‘boa aparência’. À primeira vista, não se vê a contaminação, a não ser que se tenha um certo grau de experiência no assunto. Apenas nos casos mais extremos, quando os danos são óbvios e expostos, é que o sinal de alerta é ligado”, relata Miguel Cañedo-Argüelles.

As consequências da salinização de um curso d’água são complexas porque interferem em dinâmicas de diversas ordens – ambiental, social, cultural e econômica – que nem sempre conseguem ser percebidas ou mensuradas. 

“Organismos aquáticos – insetos, anfíbios e peixes, entre outros – precisam manter um equilíbrio osmótico para o bom funcionamento do organismo. A salinização quebra esse equilíbrio, levando ao desaparecimento de espécies. Ela provoca alterações nos ciclos biogeoquímicos que afetam tudo e a todos. No âmbito humano, há casos em que a salinização representa sérios riscos para a saúde. Como os registros de pré-eclâmpsia em Bangladesh, e as marcantes crises sanitárias que ocorreram em Flint, estado de Michigan, EUA”, completa Cañedo-Argüelles.

Rios salgados do Brasil

No Brasil, país que detém grande estoque de água doce, há inúmeros casos marcantes de salinização de cursos d’água. Nem mesmo o seu principal rio, o Amazonas, escapou desse desastre lento e silencioso. Em 2021, mais de 15 mil pessoas ficaram sem água potável no arquipélago de Bailique, no estado do Amapá. O fenômeno foi provocado pela intrusão da água salgada do mar na foz do Amazonas. 

Como resposta para a invasão da água salgada no curso de água doce, os pesquisadores apontaram uma lista de intervenções humanas que, somadas, potencializaram o desequilíbrio ambiental. Se o aumento do nível do mar, provocado pelas mudanças climáticas em estágio global, contribuiu para o desastre ambiental e humanitário, os efeitos da criação de búfalos e a construção de hidrelétricas ao longo do rio, alterando a dinâmica da sua vazão, se somam às implicações ambientais.

Com o ecossistema em desequilíbrio, espécies de águas salgadas invadiram áreas de água doce. Dinâmicas ambientais e sociais foram alteradas, interferindo na pesca, na agricultura e na organização social, que precisou da intervenção do Estado para assegurar água potável e alimentos para famílias impactadas pela salinização.

Em 2014, no auge da crise hídrica provocada pelo longo período de estiagem, a população de uma cidade inteira no estado do Rio de Janeiro ficou sem água potável por conta da salinização do Rio Paraíba do Sul.

Na época, a água salgada do mar avançou por cinco quilômetros para dentro da calha do rio, comprometendo a captação da água destinada ao abastecimento dos moradores do município de São João da Barra. O abastecimento foi suspenso porque o líquido que chegava nas torneiras estava salgado. Problemas no campo, com a suspensão da pesca, e na cidade, com a escassez de água potável.

Atravessar o rio em busca de água é rotina no Baixo São Francisco

Fotos: Rudney Melo

Um outro caso emblemático e preocupante de salinização de rios no Brasil, que está em curso, é o do “rio da integração nacional”, o São Francisco. Com 2,7 mil quilômetros de extensão, ele nasce na região Centro-oeste de Minas Gerais, na Serra da Canastra, corta cinco estados na direção norte-leste (Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe) e vai desaguar no Oceano Atlântico, entre as cidades de Piaçabuçu/AL e Brejo Grande/SE. 

A região é chamada de “Baixo São Francisco”, exatamente sua porção final, que vai até a foz do rio – o Opará, para os indígenas, sempre foi povoado por povos originários a milhares de anos. Em 1501, os brancos chegaram até lá, sendo a expedição de Américo Vespúcio a responsável por nomear o rio São Francisco, exatamente por ser o santo padroeiro do dia desse descobrimento – 4 de outubro. 

A realidade da salinização do Baixo São Francisco e da perda da força do Rio São Francisco fica ainda mais triste quando se volta à história. Essa região, até o século XIX, era temida pelos navegadores, pois a força das águas doces do Velho Chico era tamanha que fazia do seu encontro com o mar um ponto de tormenta, onde houve inúmeros naufrágios e mortes. 

Hoje, por uma série de fatores, no Baixo São Francisco muitas famílias convivem com a rotina de atravessar o rio em busca de água potável.

Isso acontece porque mesmo com o grande volume de água que se espalha pelo delta do São Francisco, entre os estados de Alagoas e de Sergipe, ele não é suficiente para diluir a quantidade de sal que é incorporada pelo avanço das águas do mar no curso de água doce. O processo de desequilíbrio que resulta na salinização da água é cíclico, altera de tempos em tempos, em decorrência da baixa vazão do rio que, ao perder força, permite maior intrusão da água salgada.

“Neste trecho do rio, de tempos em tempos, a água salga e a vida ficam mais duras. Quem pode, mesmo morando em cima do rio, compra água para beber. Quem não, atravessa o rio com o barco cheio de garrafas para buscar água nas cacimbas cavadas nas dunas da foz. A água lá é doce e é o que vale [salva] muita gente por aqui quando o rio salga”, conta a dona de casa Maria José Calisto, a Deda, que vive com a família no povoado Saramém, no município de Brejo Grande (SE).

Atravessar o rio em busca de água é literal. Para quem não pode pagar R$ 8 por um garrafão de água de 20 litros, a solução é navegar da margem do estado de Sergipe para a margem do estado de Alagoas. Do outro lado, nas dunas que são atrações turísticas da Foz do São Francisco, cacimbas são cavadas nas areias gerando pequenas lâminas de água doce que, coletadas, são tratadas por alguns moradores em filtros de barro antes do consumo.

Do outro lado, no estado de Alagoas, no município de Piaçabuçu, no povoado Potengy, foi montada uma nova estação de tratamento, onde o coração da estrutura é um dessalinizador – equipamento de custo alto que exige acompanhamento e manutenção constante.

“A realidade agora é outra, porque a qualidade da água melhorou. Agora todo mundo vem buscar água no chafariz, porque sabe que ela tá tratada – sem sal e boa para beber e cozinhar. O tormento da água salgada ficou no passado”, conta a moradora Suely Soares.

O passado que Suely se refere é pouco menos de três anos quando, na crise hídrica nacional devido ao baixo regime de chuvas, a vazão do Baixo São Francisco reduziu drasticamente, atingindo uma média 700 m³/s, para atender a geração de energia – a retenção de água nas represas das hidrelétricas existentes ao longo do rio. Isso provocou o esvaziamento da calha do rio, o aumento de poluentes e da cunha salina da água do mar, que chegou a avançar cerca de 15 quilômetros dentro do curso d`água, provocando sérios problemas ambientais, com consequências sociais e econômicas.

Paliativo não é solução!

Mesmo que o discurso popular assinale que o problema da salinização está resolvido no Baixo São Francisco, o professor e pesquisador da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), o engenheiro de pesca Emerson Soares, que coordena a Expedição Científica do São Francisco, afirma que o atual cenário de “normalidade” é provisório e que as “ações paliativas não são a solução” para frear o impacto do desastre ambiental que está em curso nas águas do Rio São Francisco.

“A salinização das águas do rio na região do Baixo São Francisco é uma realidade do presente e um grande problema para o futuro. O fenômeno reduz ou intensifica mediante à quantidade de água que é liberada (pelas hidrelétricas) no trecho final do rio. No período que o volume de água aumenta, o rio ganha força, expulsa a água salgada e a salinidade, diluindo com mais facilidade os poluentes e o sal; porém, quando há escassez, a concentração de poluentes e sal se intensificam, gerando transtornos diversos no ecossistema”, explica Soares.

O controle das vazões das águas do São Francisco é o ponto de crítica do pesquisador Emerson Soares. “É uma regulação desregulada promovida pelo sistema energético que determina, conforme sua prioridade de geração de energia, quanto vai reter ou liberar de água dos reservatórios das hidrelétricas para a calha do rio, sem considerar as questões ecológicas. O que fazem é um desrespeito com o ecossistema e com as comunidades ribeirinhas. Não estamos menosprezando a importância da geração de energia elétrica, mas alertando para falta de responsabilidade na gestão das águas no momento das operações das hidrelétricas”, expõe o pesquisador.

Ao longo do curso, o rio São Francisco possui cinco complexos de usinas hidrelétricas: Três Marias (Minas Gerais), Sobradinho (Bahia), Itaparica/Luiz Gonzaga (Pernambuco), Paulo Afonso (Bahia) e Xingó (Alagoas). Ainda está em curso uma proposta para construção de um sexto, na região de Pirapora, em Minas Gerais. 

“Atualmente, o que ocorre é uma autonomia sem precedentes do setor energético, que autorregula essa gestão das águas sem nenhuma interferência real dos órgãos fiscalizadores, que estão atuando de forma figurativa. Existem legislações com diretrizes específicas para a política da vazão do rio São Francisco, mas elas estão sendo descumpridas e flexibilizadas. Pois, quando falam em vazão, eles aplicam na prática uma média, e não a constância do volume de água. Isso é um problema para o Meio Ambiente e para as populações ribeirinhas”, completa Emerson Soares.

Menor vazão, maior a salinização

Para entender o fenômeno da salinização é necessário compreender a dinâmica das vazões e o processo de geração de energia elétrica do Brasil, que depende das hidrelétricas que estão espalhadas pelos grandes rios do país.

Todas as hidrelétricas do São Francisco possuem grandes barragens, que retêm e armazenam água do rio para produção de energia. Neste processo, a dinâmica de vazão dos rios deixa de ser natural para ser regulada conforme a necessidade de retenção ou de liberação das águas. Em tempos secos, quando o volume de água é menor, a retenção nos reservatórios das hidrelétricas é maior, comprometendo o quantitativo de água nas calhas dos rios, fazendo com que curso d’água perca volume e força, gerando assim uma concentração maior de sal e poluentes. Nos períodos chuvosos e de grande volume de água, o processo se inverte. É quando mais líquido doce é liberado para a calha e acontece uma diluição maior do sal e dos poluentes.

Assim, quando se trata da região do Baixo São Francisco – o último trecho onde o curso d’água encontra o Oceano Atlântico, onde o rio perde força, principalmente na época de seca, a água salgada invade o rio, comprometendo a água doce. Denominada de cunha salina, o composto salgado – mais denso – entra no rio e, concentrado, altera a dinâmica da água, dos organismos e todo o ecossistema. 

“Está tudo bagunçado. E todos os problemas só sobram pra gente, que é pescador e depende do rio. Quando o rio está com vazão baixa, salga até lá em cima (na parte alta do rio) e os peixes somem. O que sobra aqui dentro do rio é um ou outro peixe do mar perdido. Já quando a água aparece, e o rio está cheio, o que desce é muito lixo e problema pra gente resolver aqui”, relata o pescador José Cícero, enquanto limpa a rede de pesca tomada por lixo.

O mal do sal

De acordo com as normativas do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), a água para ser considerada doce e, consequentemente, potável e adequada para o consumo humano, precisa apresentar padrões técnicos de salinidade igual ou inferior a 0,05% por litro – sendo considerada salobra quando apresenta salinidade superior a 0,05%, e salgada quando concentra mais de 3,0% de sal por litro.

No período da crise hídrica em 2017, quando a vazão do Rio São Francisco chegou a oscilar entre 700m³/s e 550m³/s, pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) chegaram a constatar, em alguns pontos da região do Baixo São Francisco, uma concentração de sal nas águas do rio que variava entre 6 e 7 gramas por litro.

Com o quantitativo de sal na água muito além dos padrões aceitáveis para o consumo humano, na época, os casos de hipertensão explodiram na região por conta da salinização. Neste período, a recorrência de subir o rio em busca de água doce era rotina nas comunidades ribeirinhas.

“Com as águas no entorno das comunidades muito salgada, os ribeirinhos usavam uma técnica de observação fazendo a coleta da água para consumo em trechos mais distantes da foz, no momento em que a maré estava baixa, pensando que poderiam evitar o problema. De fato, nestes momentos, a salinidade diminui, mas ela ainda estava lá. Até porque a água salgada é mais densa e descia, deixando a água mais doce na lâmina acima, mas com concentração de sal inadequado nos diferentes níveis”, relata o pesquisador Emerson Soares.    

A solução é científica e política

A deficiência ao lidar com a gestão dos recursos hídricos é evidente em todo mundo. Os latentes conflitos entre as prioridades econômicas e ecológicas demonstram que, embora a solução seja científica e política, as necessidades econômicas quase sempre se sobrepõem às questões socioambientais, diante da justificativa que os fenômenos de transformação e de degradação dos recursos naturais, como a salinização, são efeitos “naturais”, e não desregulações provocadas pelas atividades humanas. 

É o que evidenciam os pesquisadores que monitoram as transformações ecológicas no planeta. Os professores Miguel Cañedo-Argüelles e Emerson Soares compartilham da mesma concepção: ao tempo em que a ciência se esforça para apresentar resultados consistentes da extinção de espécies pelo mau manejo das águas, há um esforço contrário, e até mesmo a resistência das instituições políticas e econômicas, para salvaguardar e, consequentemente, desacelerar a degradação dos cursos d’água. E isso ocorre porque a mudança de comportamento exige encontrar e investir em novas formas de produção.  

“A salinização pode ser um dos principais fatores por trás da profunda crise da biodiversidade de água doce que estamos enfrentando. Temos que agir para deter o ritmo atual deste processo, que resulta na extinção das espécies. Para isso, precisamos de legislações mais fortes e que elas sejam cumpridas na prática. Leis que exijam o monitoramento da salinidade das águas dos diferentes ambientes, assim como temos que melhorar o tratamento das águas residuais (esgotos) e acompanhar para que práticas agrícolas, de mineração, entre outras, aconteçam de forma responsável, sem deteriorar os ecossistemas”, fala Cañedo-Argüelles.

Ao também apontar estratégias científicas e políticas, o professor Emerson Soares expõe que, embora algumas legislações existam, elas são flexíveis ou não são cumpridas, porque não são fiscalizadas adequadamente.

“Há uma sobrecarga no rio São Francisco que é ignorada. O rio não tem condições de arcar com tudo que estamos exigindo dele: transposição, irrigação, geração de energia, pesca entre outras. Hoje, nosso país vive uma dependência climatológica. Precisamos e dependemos de água para gerar energia. Por conta disso, o setor energético tem preferência no uso da água e suas necessidades são prioritárias dentro do atual contexto da política de água. Mas isso está destruindo o rio”, coloca.

Para Soares, é preciso acelerar a busca por fontes alternativas de energia, para reduzir a dependência da energia hidrelétrica e, assim, manter uma vazão adequada para regeneração do São Francisco. “Um fenômeno que acontece hoje no ecossistema gera reflexos, no mínimo, por três anos – sejam de forma positiva ou negativa. Estamos em um período de ‘La Niña’, com abundância de água; porém, nos próximos anos, o ‘El Ninõ’ retornará, e a vez será da escassez. Ou seja, o atual cenário de ‘normalidade’ é provisório, e se sabemos disso, por quê não agimos?”, completa.   

O desafio de produzir água

Além das questões das hidrelétricas, a degradação ambiental também é outra grande vilã na perda de força do São Francisco. Entre os diversos trabalhos científicos que monitoram o rio, o levantamento elaborado por pesquisadores brasileiros vinculados ao MapBiomas mostrou que nos últimos 30 anos a Bacia Hidrográfica do São Francisco perdeu 50% da superfície de água natural, com as maiores perdas registradas nas regiões do Alto (19%) e do Baixo (21%) São Francisco.

Isso é reflexo das mudanças ambientais planetárias, como também da devastação de florestas e degradação de afluentes que alimentam o principal curso d’água do Nordeste, que ainda contabiliza problemas gerados pela contaminação de esgotos, defensivos agrícolas e até mesmo resquícios da mineração. 

“Há muitos desafios para serem superados na Bacia do São Francisco. Precisamos produzir água, porque sem escoamento o rio morre. E um rio não se resume a um canal de água. Mas sim, a uma diversidade de vidas, culturas e acontecimentos. Por isso, os esforços para conservação do Rio São Francisco precisam ser integrados, porque seus benefícios e prejuízos são compartilhados no campo e na cidade, por pessoas que talvez nunca nem sequer viram o Velho Chico, mas têm suas vidas impactadas por ele”, diz o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, José Maciel de Oliveira.

Segundo ele, os impactos ambientais – a exemplo da salinização – registrados no Baixo São Francisco afetam mais de 400 mil pessoas. “São prejuízos que estão por todos os cantos. E podemos afirmar que o Baixo é o trecho mais afetado de todo o São Francisco, porque todos os problemas acabam desaguando neste perímetro. Muito foi feito e investido para reduzir o impacto da salinização; a situação amenizou. Mas sabemos que é temporária porque estamos em um período de abundância de chuvas. Portanto, quando fazemos apelos em defesa do Velho Chico, pedimos o engajamento de todos que vivem no campo ou nas cidades, porque se este rio morrer o sofrimento e as consequências serão compartilhados por todos”, completa Maciel de Oliveira.     

Confira as imagens:

Fotos: Rudney Melo 

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