No quinto conteúdo da série “As águas de Belo Horizonte”, vamos falar da Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba após a tragédia da Vale
“Remendo” feito em 2015 para salvar BH do racionamento está em vias de secar
Nos quatro primeiros conteúdos da série especial, nós falamos sobre:
- quais são as regras para o uso comercial e de abastecimento humano da água (link);
- no caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde está o coração (o Sinclinal Moeda) que bombeia água para as duas bacias hidrográficas que respondem por quase 100% de seu abastecimento: a do Rios das Velhas e a do Rio Paraopeba;
- mostramos ainda que, desde 2014, o Governo de Minas Gerais já sabia de um possível colapso hídrico na capital e no seu entorno. Obras para interligar os dois sistemas, de forma a garantir a estabilidade da captação mesmo com a vazão menor de um deles, foram feitas, mas a tragédia do rompimento do complexo de barragens da Vale, em Brumadinho, e a consequente contaminação do Paraopeba, inutilizou a interligação (link).
- mostramos o grau de sufocamento por qual passa o Rio das Velhas, principal fonte de água de Belo Horizonte e maior afluente do Rio São Francisco (link).
Essa agonia do Rio das Velhas, retratada didaticamente no último conteúdo, foi agravada por uma tragédia ocorrida em outra bacia hidrográfica, tema dessa nova reportagem: a devastação dos pontos de captação de água no Rio Paraopeba, acontecida no dia 25 de janeiro de 2019. Nessa data, o rompimento do complexo de barragens da Vale, em Brumadinho, despejou 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos (5.200 piscinas olímpicas) no seu leito. Matou quase 300 pessoas e uma biodiversidade irrecuperável, e também arruinou uma área imprescindível para o abastecimento de água da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
A Copasa, imediatamente, suspendeu a captação de água na calha principal do Paraopeba no trecho entre as cidades de Brumadinho e Pompéu, e de alguns afluentes (não todos). Já o Governo de Minas Gerais recomendou que a população e os serviços municipais de abastecimento fizessem o mesmo.

Foto: Vinícius Mendonça/Ibama
Mesmo com esse mar de lama, a Bacia do Paraopeba (não o rio principal em si, mas alguns de seus afluentes não atingidos), por meio de reservatórios que estavam com carga máxima antes da tragédia, ainda respondem pelo abastecimento de cerca de 40% da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Com o agravamento da situação de escassez de água no Rio das Velhas (link), que provocou, entre outras coisas, o uso mais acelerado dos reservatórios da Bacia do Paraopeba, no último dia 17 de outubro, o governo mineiro admitiu que, a depender do regime de chuvas, o racionamento na distribuição de água na região metropolitana pode ter início a partir do mês de março de 2020.
Nesse quinto conteúdo da série especial “As águas de Belo Horizonte”, nós do Lei.A vamos falar como a Bacia Hidrográfica do Rio Paraopeba está inserida nesse colapso hídrico de uma das maiores metrópoles do Brasil.
#conheça
A Bacia do Paraopeba e seus reservatórios
Antes de entrarmos nos problemas é preciso entender como opera o abastecimento da Grande BH, com ênfase na Bacia do Rio Paraopeba. As captações da água que abastecem a Região Metropolitana de Belo Horizonte concentram-se em duas bacias hidrográficas, as dos rios das Velhas e Paraopeba. Cada uma contribui com pouco menos da metade de toda a água consumida por mais de cinco milhões de pessoas na RMBH. No caso específico de Belo Horizonte, a captação na bacia do Paraopeba representa cerca de 30% da água que é distribuída na capital.
Como apontamos anteriormente, a captação na Bacia do Paraopeba é feita atualmente a partir dos chamados Sistemas Integrados (SINs), que por estarem interligados, no caso de faltar água em algum deles, outro entra em operação, até que a situação se normalize.
SIN Paraopeba
É o maior da bacia, e ao contrário do Rio das Velhas (onde a captação é feita no fio d’água), opera a partir do uso de três reservatórios: Rio Manso, Serra Azul e Várzea das Flores (e pequenos córregos).
No entanto, todos três estão operando atualmente com níveis similares aos registrados em 2015, quando o Governo de Minas Gerais chegou a publicar uma portaria decretando a escassez hídrica nessas represas.

Imagem retirada do Google Earth
SINs Ibirité, Barreiro e Catarina
Além do SIN Paraopeba, existem ainda:
– o SIN Ibirité, que compreende captações de água localizadas no Parque Estadual da Serra do Rola-Moça;
– o SIN Barreiro, que foi construído em 2010 e distribui a água do Córrego do Barreiro para a região homônima;
– o SIN Catarina, que tem como mananciais o Ribeirão Catarina e as nascentes próximas, no município de Brumadinho, e abastece condomínios no vetor sul da cidade e o bairro Jardim Canadá, em Nova Lima.
Todos os Sistemas Integrados citados acima fazem parte do complexo de proteção ambiental na região do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, com sua zona de amortecimento e um conjunto de Áreas de Proteção Especial, criadas por leis da década de 1980, com o objetivo de proteger a biodiversidade e os mananciais existentes.
Captação do Paraopeba salvou BH em 2015
Para entender o drama atual da Bacia do Paraopeba e o porquê dela – mesmo com a inutilização da captação na calha do rio principal – ainda fornecer água para Belo Horizonte, é preciso voltar a 2015.
Naquele ano, também sob a iminência de um colapso hídrico em função da estiagem, a Copasa passou a enviar parte da água do rio Paraopeba para a estação de tratamento de Rio Manso, que faz parte SIN Paraopeba, até então alimentado apenas por água da chuva e da captação em pequenos afluentes. Com essa mudança, o SIN Paraopeba ganhou um reforço de até 5.000 litros de água por segundo.
A manobra foi considerada, à época, uma intervenção fundamental para que não houvesse o racionamento na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) já em 2015.
Com isso, mesmo com o registro de chuvas entre os anos de 2015 a 2017 ficando abaixo da média histórica na Região Metropolitana de BH, foi possível acumular 215 bilhões de litros de água nas três represas (para se ter uma ideia, a capacidade da represa da Pampulha é de 10 bilhões de litros). Um dos maiores volumes da história.
Os efeitos do fim da captação na calha do Paraopeba
A nova captação, por quatro anos, mascarou outros perigos na Bacia do Paraopeba, como a baixa vazão dos rios, a falta de investimento em proteção de mananciais, um alerta geral sobre o problema atrelado à política de educação no uso da água e um fantasma gigante do qual ninguém queria falar: a bomba-relógio das barragens de rejeitos da mineração.
Veio janeiro de 2019 e o rompimento do complexo de barragens da Vale, em Brumadinho. A captação na calha do Paraopeba foi imediatamente suspensa e sepultada. O SIN Paraopeba que estava mantendo o abastecimento da RMBH sob aparente tranquilidade perdeu uma de suas principais fontes de água e os reservatórios foram sobrecarregados. Com isso, o volume deles está baixando rapidamente.
No mês de outubro de 2019, os seus níveis voltaram a limite crítico registrado em 2015. O Governo de Minas Gerais publicou uma portaria reconhecendo a escassez hídrica.

O mapa acima foi produzido pela Copasa em janeiro/2019, quando ainda não se fala em racionamento e sobrecarga do Rio das Velhas. Portanto, o texto referente ao “item 4” é de responsabilidade exclusiva da Copasa, com o qual não corroboramos, pois todas as demais informações e dados oficiais apurados por nós dizem exatamente o contrário.
#monitore
Nova captação no Paraopeba gera conflitos
Ainda nesse mês de outubro de 2019 a Vale iniciou a construção de uma nova captação no Rio Paraopeba, desta vez num ponto próximo ao subdistrito de Ponte das Almorreimas, zona rural de Brumadinho, 12 km a montante da estrutura de captação que foi suspensa. A projeção é que terá a mesma vazão da anterior (5.000 litros por segundo). Porém, as obras não serão concluídas antes de setembro de 2020.
O início da construção tem sido marcado por conflitos entre empresa e comunidade local. O temor é que ela, ainda sob os efeitos do rompimento da barragem, seja novamente prejudicada, uma vez que alguns dos seus 100 moradores serão desalojados ou perderão parte de sua terra em razão da obra. Alguns moradores reclamam que a Vale tem conduzido o processo de forma pouco transparente, sem que apresente Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e que as indenizações oferecidas estão bem abaixo do valor de mercado.
Outra reclamação vem do Comitê de Bacia Hidrográfica do Paraopeba, que disse não ter sido consultado sobre a obra, que impactará diretamente o rio.
Vidigal levanta ainda a questão sobre a real necessidade da construção de uma nova captação. Ele argumenta que na reunião de apresentação do empreendimento no distrito, o representante da Copasa informou que a qualidade da água no antigo e no novo local de captação estão em condições semelhantes.
Sobre este tema há um abaixo assinado que solicita a realização de estudos de impacto ambiental, negociações justas com os moradores e compensações que tragam melhorias para a comunidade (link)
Resposta da Vale | por meio de nota, a Vale afirmou que respeita todas as comunidades impactadas. “As equipes de campo da Vale permanecerão dedicadas e em contato permanente com os moradores de Ponte de Almorreimas para esclarecimento de dúvidas”, afirma.
Especulação Imobiliária ameaça o Sistema Paraopeba
Paralelamente à sobrecarga ocasionada pela destruição do Rio Paraopeba, os reservatórios do Sistema Paraopeba, que mantêm o abastecimento em funcionamento, sofrem também com a especulação imobiliária. É o caso de Várzea das Flores, um manancial localizado entre os municípios de Contagem e Betim, que já se encontra em um nível de degradação ambiental significativo, com áreas de assoreamento e baixa qualidade de água.

Imagem: Arquivo Copasa
Em 2017, a Câmara Municipal de Contagem aprovou uma lei que alterou o Plano Diretor da cidade. Agora, como um desdobramento desse plano, o Legislativo local está prestes a votar uma mudança na Lei de Uso e Ocupação do Solo, que alega-se, colocará em risco o reservatório.
Se aprovada a lei, as regras de ocupação da Área de Preservação Ambiental (APA) Vargem das Flores, onde se localiza o reservatório, serão modificadas, permitindo que áreas de ocupação rural e que devem ser preservadas, sejam parceladas, tornando-se áreas de expansão urbana. Isso possibilitará a instalação de empreendimentos imobiliários e industriais que prejudicam as áreas de recarga do reservatório.
No final de 2018, a Copasa apresentou um estudo sobre o impacto do novo plano diretor de Contagem na vida útil do reservatório. O documento aponta que, seguindo a tendência de ocupação que acontece hoje na região, o reservatório pode perder seu espelho d’água em 33 anos ou estar assoreado em 23 anos.
#Aja
Sua água está acabando longe de você. Vai deixar?
Se você faz parte do movimento ambiental, compartilhe a série especial do Lei.A, converse e mais do que isso: escute. Tente entender uma forma simples, didática e direta de introduzir o tema junto à família, aos colegas de trabalho ou ao ambiente escolar de seus filhos. Fale a língua do povo!
Se você se sensibilizou pelo tema e quer contribuir com quem luta por essa causa (que no fundo, é sua) participe e fortaleça entidades como os comitês de bacias hidrográficas.
Participe das consultas públicas ao Plano Diretor de Recursos Hídricos da Bacia do Rio Paraopeba (PDRH Paraopeba). Elas visam garantir a participação social do alto, médio e baixo Paraopeba e têm como objetivo a discussão das principais diretrizes, programas, ações e investimentos a serem realizados na bacia nos próximos 20 anos.
A versão atualizada e revisada do Plano de Ação já se encontra disponível para cópia no site do PDRH Rio Paraopeba
Seja vigilante! A situação diária do volume dos reservatórios da Região Metropolitana de BH pode ser consultada neste link
Se ainda está em dúvida se sua cidade faz parte desse problema, pesquise! Descubra no mapa a qual bacia hidrográfica a sua região pertence: link
Mesmo que não seja afetado diretamente pelas questões da Bacia do Rio Paraopeba, crie um movimento na sua cidade! Utilize a plataforma do Lei.A e saiba onde são os locais de captação de água de seu município, se estão localizados em unidades de conservação.
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Sou Técnico de Mineração ETFOP – Escola Técnica Federal de Ouro Preto 1976 e Engenheiro de Minas – Escola de Engenharia da UFMG 1982.
Historicamente o processo de concentração do minério de ferro adotado pela VALE S/A e outras mineradoras nas minas onde as barragens de rejeitos se romperam e nas outras minas interditadas se denomina Flotação. É a separação dos rejeitos do minério por aeração com base nas características físico-químicas dos componentes da mistura. Trata-se da separação da parcela mais rica em ferro dos minérios após serem britados e finamente moídos. A parcela rica em ferro é separada da parcela pobre em ferro, denominada tecnicamente como rejeitos, que compostos predominantemente pela sílica, a alumina e outros contaminantes menores. Neste tratamento industrial o minério passa por um processo que propicia a “flutuação” da parcela mais leve rica em sílica e alumina por aderência às bolhas de ar na aeração da mistura do minério bruto (ROM – Run of Mine) após moído, com os aditivos floculantes e a água. Este material recebe o nome de “polpa”. Para isto são utilizados separadores onde se colocam esta polpa. O nome do minério de ferro predominante no Quadrilátero Ferrífero é o Itabirito, composto por camadas sucessivas de ferro e outras camadas ricas em sílica contaminada com alumina e outros componentes minerais menores conforme citado. O concentrado de ferro se deposita no fundo dos separadores e os aditivos utilizados fazem com que a parte menos densa “flutue” por adesão às bolhas de ar que são insufladas nas “bacias” dos Separadores. Estes rejeitos dos separadores são posteriormente depositados nas malfadadas barragens de rejeitos juntamente com a água e os ADITIVOS químicos, que continuam atuando por tempo indeterminado e mantendo os materiais depositados nas barragens numa condição de “polpa” indefinidamente, atrapalhando a sua sedimentação adequada no fundo das barragens.
Como parte destes aditivos são orgânicos e ficam estocados num ambiente sem a presença de oxigênio nunca se degradam. A sedimentação desta polpa expurgaria a água e tornaria os maciços mais estáveis, podendo até mesmo serem revegetados com cobertura de material orgânico, fora dos vales de rios ou cursos d’água,utilizando a metodologia que hoje é implantada na mina S11D da VALE S/A no Pará. Lá o minério não é o Itabirito, é a Hematita pulverulenta, e mesmo assim secam a polpa após a concentração. O processo de secagem do rejeito da concentração do Itabirito pode ter uma etapa de filtragem e aquecimento da polpa para evaporação da água e queima dos materiais oleaginosos e o amido (os materiais orgânicos).
Porque é que a polpa direcionada às barragens não se sedimenta: A parcela que é aproveitada na pelotização é o concentrado de ferro, mas a parcela contaminada com material silicoso-aluminoso junto com a água e o Oleato de Sódio (ou outro material oleaginoso), o Amido (material orgânico) e os outros contaminantes é gerada em grandes volumes e seca-la em temperaturas adequadas aumentaria muito o custo do processo de produção. Estes rejeitos não tem destinação que gere lucro para as empresas e sua composição físico-química não permite a compactação por décadas e décadas. As próprias empresas não saberiam afirmar quando é que este tipo de material se sedimentaria. Não existem exemplos práticos sobre a questão. Isto a empresa não informou e a imprensa não pesquisou. A VALES/A matou duas das principais bacias hidrográficas de MG e porque não do Brasil. Centenas de vidas foram ceifadas e o resultado foi o maior desastre socioambiental da história deste país. A VALE S/A já sabia que todas as barragens de alteamento à montante já tinham problemas há anos. Agora que os desastres já aconteceram adotaram a estratégia de dar avisos de emergência em todas as regiões onde estão localizadas estas barragens interditadas. Logo após o segundo acidente criminoso o ex Presidente da empresa Schvartsman anunciou que iriam “DESCOMISSIONAR” as barragens, aquelas que foram interditadas por altíssimo risco. Ele não divulgou que “DESCOMISSIONAR” uma barragem significa reprocessar o “rejeito” estocado há 30, 40 anos ou mais nas barragens, mas que para os padrões atuais são altíssimos teores de ferro. Antigamente os processos de concentração eram ineficazes e geravam um rejeito ainda muito rico em ferro. Esta estratégia “brilhante” reprocessará o material já lavrado, britado e moído contendo Oleato de Sódio e Amido, recuperando o minério rico e mantendo assim as minas interditadas em operação e gerando lucro. Os Órgãos de Controle como a ANM, a FEAM e a imprensa são mal informados ou coniventes. A VALE S/A pode estar blefando e enganando a população e os Órgãos de Controle mais uma vez.
Observe nas imagens divulgadas pela mídia que após os rompimentos das barragens o material se “espalha” pelos vales se expondo finalmente ao sol, secando e se oxidando, ou seja, eliminando os materiais orgânicos. Desta forma se tornam um material pulverulento e seco, tanto que pode até ser então carregado pelas retroescavadeiras e transportado por caminhões para fora dos vales dos cursos d’água. Porque não fizeram isto antes reprocessando os rejeitos quando ainda estavam contidos nas barragens?
Confirmem estas informações junto aos especialistas em Tratamento de Minérios das Universidades e aos tecnologistas das empresas.
[…] da região (link); Falamos de forma didática sobre os rios das Velhas (link),e do Paraopeba (link) duas bacias hidrográficas da maior importância para o abastecimento hídrico na capital e ao […]
[…] Entenda o caso lendo uma das nossas matérias sobre as Águas de Belo Horizonte (link) […]