Nova série do Lei.A sobre o tema mostra que deputados só se preocupam em definir leis para uso de minerodutos em momentos críticos em que falta água
No primeiro semestre de 2015, quando o Estado vivia uma das piores secas já registradas, o consumo de água pelos minerodutos entrou em discussão na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Grandes consumidores, que retiram água dos rios do estado e despejam no mar, eles foram apontados como responsáveis pela falta de água que se agravou em determinadas regiões. Na época, dois projetos de lei foram apresentados na Assembleia e ainda houve um deputado que prometeu proibir as mineradoras de utilizarem água para transportar minério. Porém, a crise hídrica passou, as proposições que tratam de minerodutos foram engavetadas e o tema permanece esquecido pelos parlamentares. Nesta matéria, o Lei.A mostra quais são esses projetos e o que você pode fazer para cobrar dos políticos mais agilidade.
Em 30 de abril de 2015, o deputado Alencar da Silveira Jr (PDT) apresentou o projeto de lei 1221/2015, que obrigaria as empresas que utilizam minerodutos a implantar mecanismos para tratar e trazer de volta ao estado, por meio de bombeamento, toda a água utilizada no transporte do minério. Contudo, o projeto ficou apenas alguns dias em tramitação e foi anexado ao projeto de lei 263/2015, de autoria do então deputado Paulo Lamac (então no PT, hoje REDE), que tratava do mesmo tema. Menos rígido que o anterior, o projeto de lei 263 ao invés de obrigar as empresas a devolver toda água retirada dos rios, propõe que, por lei, apenas metade dessa água deveria ser tratada e devolvida.
Porém, depois de passar mais de oito meses na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), em novembro de 2015, o dois projetos de lei foram retirados de pauta a pedido do relator da CCJ, o deputado Leonídio Bouças (PMDB). O Lei.A perguntou a Bouças o motivo do projeto de lei ter sido arquivado, mas até o fechamento da matéria não obteve resposta. Quer cobrar uma posição do deputado e quer entender mais sobre o assunto? Veja como abaixo:
- Mande você mesmo um e-mail para o deputado Leonídio Bouças (dep.leonidio.boucas@almg.gov.br) e questione o que tem sido feito para a que a água de nossos rios não se transforme em polpa de minério e seja jogada no mar.
- Pergunte ao deputado qual o motivo de os dois projetos serem arquivados. Eles obrigariam as mineradoras a implantar mecanismos para trazer de volta, devidamente tratada, a água utilizada por minerodutos.
- Leia as outras duas matérias sobre os vazamentos do mineroduto na Zona da Mata publicadas pelo Lei.A. Clique aqui e aqui. E clique aqui para entender como funcionam os minerodutos em todo o Estado.
Promessa de deputado debutante
Ainda no período de seca, quando assumiu seu primeiro mandato na Assembleia, em janeiro em 2015, o deputado Iran Barbosa (PMDB) anunciou que o seu primeiro projeto de lei seria proibir o uso de águas em minerodutos. Ele afirmou à imprensa que obrigaria as mineradoras que quisessem operar no Estado a transportar o minério a vácuo. “Já existe tecnologia para transportar minério a vácuo. É usado em outros países”, afirmou o deputado na época. Porém, a promessa não foi cumprida e o projeto de lei nunca foi apresentado. O Lei.A perguntou também ao deputado o motivo de o projeto de lei prometido nunca ter sido apresentado, mas novamente não obteve resposta. Quer agir neste caso também?
- Mande você também um e-mail para o deputado Iran Barbosa (dep.iran.barbosa@almg.gov.br) e questione porque a promessa não foi cumprida.
Uso da água para fins prioritários
Mais recentemente, em maio de 2017, o deputado estadual Rogério Correia (PT) apresentou o projeto de lei 4284/17, que visa garantir o uso da água para fins prioritários, como consumo humano e animal. Mais tímido que os anteriores, o projeto de lei de Rogério Correia não fala do reaproveitamento da água utilizada pelos minerodutos. Ele acrescenta alguns parágrafos à Política Estadual de Recursos Hídricos que proíbe a operação de minerodutos em regiões com maior escassez de água. Porém, o projeto aguarda há 11 meses parecer da CCJ, cujo relator é, novamente, o deputado Leonídio Bouças. Se receber parecer favorável, o projeto vai à Comissão de Minas e Energia antes de ser votado em primeiro turno.
Acidentes minérios e falta de água
Nesta série sobre os minerodutos, o Lei.A informou que todos os quatro que possuem licença de operação em Minas estão parados por acidentes minerários e outros três podem entrar em funcionamento nos próximos anos, com projetos das empresas Manabi, Ferrous e SulAmericana de Metais (SAM). Com isso, o volume de água retirado do leito dos rios mineiros pode chegar a quase 20 mil m³ por hora, suficiente para suprir o abastecimento de 2,9 milhões de mineiros ou metade de todo o consumo da Região Metropolitana Belo Horizonte no mesmo período.
Eles terão capacidade para transportar aproximadamente 146 milhões de toneladas de minério por ano (o equivalente ao peso de cerca de 180 mil carros populares) e passarão por 123 cidades, tendo 3.119 quilômetros de tubos (distância aproximada de Belo Horizonte a Santarém, no Pará). Saiba mais sobre esses minerodutos:
- Mineroduto Minas-Rio: classificado pela Anglo American, sua proprietária, como o maior do mundo, com 525 quilômetros de extensão. Percorre 32 cidades e pode transportar 26,5 milhões de toneladas de minério por ano. Em operação desde outubro de 2014, tem previsão de funcionar por 33 anos, interligando a mina, em Conceição do Mato Dentro-MG, até o Porto do Açu, em São João da Barra-RJ. Com três anos e meio de uso, apresentou em março dois rompimentos, poluindo o ribeirão Santo Antônio na Zona da Mata. O projeto tem autorização para captar 2.500 m³ de água por hora (ou uma piscina olímpica) do Rio do Peixe, afluente do Rio Doce. Estima-se que a velocidade de transporte é de 6 km/h e que a polpa de minério de ferro demore cerca de quatro dias para percorrer todo o trajeto. Desde que o projeto começou a operar, o Ministério Público de Minas vem autuando a Anglo American na região de Conceição do Mato Dentro. Ali, atualmente falta água, até mesmo para o consumo humano.
- Minerodutos Samarco: a empresa tem três minerodutos em Minas, que seguem caminhos paralelos. O minério que é retirado das jazidas de Germano e Alegria, em Ouro Preto e Mariana, e levado até Anchieta-ES, onde fica o Porto de Ubu. Com extensão de 400 quilômetros, cortam 15 cidades mineiras e dez cidades capixabas.
Construídos em períodos diferentes – o primeiro começou a operar na década de 1970 e os outros dois em 2008 e 2014 – e com capacidades distintas, os três dutos têm, juntos, capacidade para transportar 45 milhões de toneladas por ano. A empresa tem autorização para captar 4.900 m³ de água por hora (ou quase duas piscinas olímpicas). Depois de anos utilizando os mananciais de Mariana e Ouro Preto, a empresa passou a captar água do Rio Conceição, no distrito de Brumal, em Santa Bárbara-MG.
A operação da Samarco está paralisada desde o rompimento da barragem de Fundão em Mariana, em novembro de 2015. Segundo o jornal O Tempo, em matéria publicada em dezembro de 2015, desde 2005 os equipamentos da Samarco passaram por pelo menos cinco rompimentos, sendo que em quatro ocorreram vazamento de lama. Em 2010, um deles se rompeu no município de Espera Feliz, causando desastre ambiental e inviabilizando o abastecimento público da cidade.
- Mineroduto Ferrous: a empresa prevê a construção de um duto de 400 quilômetros entre Congonhas e o porto, em Presidente Kennedy, no Espírito Santo. Pelo projeto, o duto passará por 22 municípios (17 em Minas Gerais, três no Rio dois no Espírito Santo). A previsão é transportar 25 milhões de toneladas de minério de ferro por ano na primeira fase, com possibilidade de expansão para 50 milhões em outra fase.
Em seu projeto a Ferrous Resources afirma vai captar 3.400m³ por hora do Rio Paraopeba, manancial fundamental para o abastecimento da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Inicialmente, o plano da empresa era explorar a Serra da Moeda, em Brumadinho. Porém, graças à forte resistência, a mineradora foi obrigada a ajustar o projeto. Agora, a Ferrous enfrenta a resistência de alguns municípios, que iniciaram a “Campanha Pelas Águas e Contra o Mineroduto da Ferrous”.
Em outubro de 2016, quando aguardava a Licença de Instalação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), a empresa desistiu de dar seguimento ao processo de licenciamento que permitiria a construção do mineroduto. Porém, ela afirma que mesmo não sendo uma prioridade no momento, o projeto pode ser retomado.
- Mineroduto Vale do Rio Pardo: o empreendimento da Sul Americana de Metais (SAM) terá 482 quilômetros, ligando Grão Mogol, no Norte de Minas Gerais, à costa de Ilhéus, na Bahia. Ele cortará 21 municípios e poderá transportar 25 milhões de toneladas por ano. A empresa já tem autorização para captar até 6.200 m³ de água por hora na barragem da Usina Hidrelétrica de Irapé (duas piscinas olímpicas e meia), construída no rio Jequitinhonha. Por ano, estima-se que o projeto usará cerca de 50 milhões de m³, o suficiente para abastecer uma cidade com cerca de 400 mil habitantes. O Ministério Público e pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Unimontes, por meio de laudos, denunciaram a inviabilidade da instalação de um empreendimento desta dimensão em um local onde os recursos hídricos são escassos. Em abril de 2016, o Ibama rejeitou o projeto da SAM por inviabilidade ambiental.
- Mineroduto Morro do Pilar: projeto da Manabi S.A., que liga Morro do Pilar-MG ao porto Norte Capixaba, em Linhares-ES. Ele estende-se por 511 quilômetros e passará por 23 municípios – 19 em Minas Gerais e quatro no Espírito Santo. A empresa já conseguiu uma Licença Prévia para a mina, que terá capacidade para transportar 25 milhões de toneladas de minério por ano. O complexo minerário irá operar em uma área próxima a um local já afetado pelo vazamento do mineroduto Minas-Rio, na bacia do Rio Santo Antônio. Ali, a Manabi tem outorga para uso de 2.847 m³ de água por hora (pouca mais que uma piscina olímpica). Além disso, o duto da empresa atravessará a bacia hidrográfica do Rio Doce, área já afetada pelo rompimento da barragem da Samarco. Em março deste ano a empresa retomou os processos, que estavam parados, para obtenção das licenças de instalação e de operação. A Manabi projeta começar a extração em 2021.