Projeto de lei que muda regras para licenciamento de barragens de rejeito não vale para todas

PL 3676 será votado em primeiro turno hoje pelos deputados e, caso seja aprovado como está, 186 barragens estariam fora do novo regulamento. Destas, 17 não tinham estabilidade garantida segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM).

O rompimento da barragem de Fundão da mineradora Samarco (controlada pela Vale e pela BHP Billinton), ocorrido em Mariana, em novembro de 2015, é a maior tragédia socioambiental da história do Brasil. Para aperfeiçoar a legislação e impedir que novos desastres se repitam, a Comissão Extraordinária de Barragens da Assembleia Legislativa propôs, em 2016, o projeto de lei 3676. Pronta para ser votada em primeiro turno em plenário pelos deputados estaduais nesta terça, dia 12, a proposta muda as regras para o licenciamento e a fiscalização de barragens de rejeito em Minas Gerais.

 

 

Embora endureça a legislação para as mineradoras, o conteúdo da proposta ainda é questionado por representantes da sociedade civil e do Ministério Público de Minas Gerais, que cobram a retomada das exigências do projeto de lei 3695, de iniciativa popular, encaminhado à Assembleia Legislativa com mais de 56 mil assinaturas. Muito mais duro para as empresas, este projeto de lei acabou incorporado ao Projeto de Lei 3676 e teve vários de seus pontos suprimidos pela proposta atual.

Um deles diz respeito ao alcance do licenciamento e da fiscalização de novas barragens de rejeito no Estado. O projeto de lei 3676 prevê licenciamento ambiental de três fases para barragens que atendam a pelo menos um dos seguintes critérios: altura maior ou igual a 15 metros, capacidade do reservatório maior ou igual a 3 milhões de m³, potencial de dano ambiental médio ou alto, e barragens, de qualquer tamanho, que contenham resíduos perigosos. Já o PL 3695, de iniciativa popular, cobrava o licenciamento ambiental de três fases para todo tipo de barragem, independentemente do tamanho ou porte poluidor.

 

Divergências

A divergência é importante porque define quais barragens estarão sob o radar do Estado pelas novas regras em caso de a lei ser aprovada. Segundo levantamento do Lei.A, 186 barragens que estão operando em Minas estariam fora do alcance da nova lei se ela estivesse em vigor hoje – ou uma em cada quatro. Embora representem cerca de 1% de todo rejeito armazenado em Minas Gerais, estas barragens somam, atualmente, 4.431.377 metros cúbicos (), o equivalente a 1.772 piscinas olímpicas.

Deste total, seis barragens estavam em risco quando foi publicado o último inventário de barragens da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). No total, são 453.038 m³, sendo que cinco são de propriedade da Vale Manganês, em Nazareno. A outra fica em Ouro Preto. Além delas, a FEAM apontou outras 11 barragens nas quais a segurança é considerada “inconclusiva” por falta de dados ou documentos técnicos. O volume de rejeitos destas barragens – que também ficariam fora das novas regras – totalizou 417.650 sob a administração da Usiminas e da Topázio Imperial Mineração Ltda nos municípios de Itatiaiuçu, Mateus Leme e Ouro Preto.

 

Receios

“Na minha opinião, todas essas infraestruturas devem ser objeto do licenciamento trifásico, inclusive com exigência de análise de risco na fase da licença prévia. Esses cortes (15m de altura e 3 milhões de ) não têm muito sentido, até porque uma barragem com 14m de altura e 2,9 milhões de , em função da localização e tecnologia, pode representar riscos potenciais maiores que outras com parâmetros superiores”, defendeu ao Lei.A José Cláudio Junqueira, ex-presidente da FEAM e um dos principais especialistas sobre o tema no Brasil.

Outro temor de ambientalistas com relação ao licenciamento previsto pelo projeto de lei 3676 tal como está é que as regras levem os empreendedores a fatiar grandes barragens em outras menores para escapar do rigor da nova legislação. Embora o texto mencione que “barragens próximas ou contíguas” devem ser alvo da nova legislação caso atinjam os limites estabelecidos pela nova lei, o texto não especifica qual “proximidade” é esta.

“É possível que nas lacunas do texto haja a possibilidade de fatiamento no licenciamento das barragens”, avaliou Junqueira. A possível brecha também foi apontada ao Lei.A pelo Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSAM). “Sem sombra de dúvidas há este risco, até porque já é uma prática do setor na história dos licenciamentos ambientais em Minas”, destacou Maria Teresa Corujo, uma das lideranças do MovSam.

Ao Lei.A, José Cláudio citou exemplos dessa manobra. “A resolução 01/86 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) dispõe que, para projetos de loteamento acima de 100 hectares é obrigatório o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima). Tenho a lembrança de um pedido de licenciamento para projeto de 90 hectares e, depois, o empreendedor veio com outro contíguo de uns 30 hectares. É sempre desgastante porque parte do projeto está licenciado, inclusive implantado, e aí a análise de impactos fica prejudicada, pois ela deveria ser toda prévia”, alertou.

Já Maria Teresa cita o caso do licenciamento ambiental da Mina Apollo, na Serra do Gandarela, em 2007. À época, as empresas requisitaram sete Autorizações Ambientais de Funcionamento (AAFs) ao invés de solicitar uma licença única para todo o empreendimento. Pela legislação da época, que foi derrubada pelo Ministério Público, as AAFs permitiam que até 300 mil toneladas de minério por ano podiam ser exploradas sem a necessidade de Estudo de Impacto Ambiental e de publicação de edital para realização de audiências públicas.

Consultada, a Associação de Municípios Mineradores de Minas Gerais (Amig) disse não se opor ao licenciamento de três fases para todas as barragens. Procurados pelo Lei.A, o Sindicato das Indústrias Extrativas de Minas Gerais (Sindiextra) e a seção mineira do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que representa as empresas, não quiseram se manifestar.

 

Próximos passos

Desde que começou a tramitar, em julho de 2016, o projeto de lei 3676 passou pelas comissões de Constituição e Justiça, de Meio Ambiente, de Administração Pública e de Desenvolvimento Econômico e agora segue para votação em primeiro turno por todos os deputados estaduais – o que acontece nesta terça, dia 12. Até que seja votado novamente pelos deputados em segundo turno, será possível incluir modificações ao projeto original, inclusive aquelas não incorporadas do projeto de lei 3695.

E você? Discorda ou concorda? Em ambos os casos, aja, acessando nossa plataforma para monitorar o andamento do projeto e mandar uma mensagem aos deputados estaduais, cobrando por aquilo em que você acredita.

  • Para conhecer a ficha resumida do Lei.A sobre a proposta e a íntegra do projeto de lei 3676, clique aqui: http://leia.org.br/monitorar/8/lei_3676/
  • Para acessar os pareceres das comissões da Assembleia que já avaliaram o projeto, clique aqui: https://goo.gl/JrDDKs.
  • Para ler a nota técnica em que o Ministério Público de Minas Gerais destaca as principais divergências entre o PL 3676 e o PL 3695, de iniciativa popular, clique aqui: goo.gl/c1UadB
  • Para enviar mensagem aos deputados eleitos com votos do seu município, cadastre-se na nossa plataforma. É só digitar o nome do seu município e escolher os deputados para quem você quer enviar o seu recado. O endereço é www.leia.org.br.

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2 Comments

  1. […] Outro temor de ambientalistas com relação ao licenciamento previsto tal como está é que as regras levem os empreendedores a fatiar grandes barragens em outras menores para escapar do rigor da nova legislação. Embora o texto aprovado pelos deputados mencione que “barragens próximas ou contíguas” devem ser alvo da nova legislação caso atinjam os limites estabelecidos pela nova lei, o texto atual abre uma brecha perigosa ao não especificar qual “proximidade” é esta. Saiba mais aqui. […]

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