O drama da água: metade da população do planeta já convive com escassez de água

O caminho da água

Na primeira de cinco reportagens da série especial “O caminho da água”, criada pelo Lei.A, entenda qual a ligação entre as unidades de conservação, montanhas e florestas com a oferta ou falta de água para sobrevivência.

Entenda como a água chega à sua casa e porque você e sua família podem ser os próximos ameaçados

 

 

A água é o bem natural mais importante para o ser humano. Além do consumo e de seu uso em afazeres cotidianos, ela é necessária em atividades como a produção de alimentos e geração energia, dentre outras. Embora seja uma substância abundante, apenas 3% da água do planeta é doce e, portanto, pode ser consumida.

O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2018 alerta para um possível colapso das reservas de água potável. Segundo o documento, atualmente 3,6 bilhões de pessoas (quase metade do população) vivem em áreas com baixo acesso à água pelo menos um mês por ano. Se nada for feito, em 2050 esse número pode chegar a 5,7 bilhões de pessoas.

Esse número vem aumentando assustadoramente por diversos motivos, dentre os quais, a degradação exatamente das áreas onde a natureza recarrega os seus estoques de água: nas montanhas e nas áreas verdes preservadas, onde nascem os rios. A extração de uma montanha para a mineração ou o desmatamento de áreas de floresta para o agronegócio, sem não controladas, podem afetar diretamente a quantidade de água disponível para uso humano e animal.

Outro fator preocupante é que mesmo os rios que conseguem sobreviver a essa devastação nas áreas de recarga (montanhas de florestas protegidas) estão sendo destruídos. O texto da ONU afirma ainda que desde a década de 1990, a poluição da água piorou em quase todos os rios da África, Ásia e América Latina. A deterioração da qualidade da água deverá aumentar ainda mais nas próximas décadas e isso ampliará as ameaças à saúde humana, ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável.

No Brasil, segundo a Agência Nacional de Águas (ANA), 48 milhões de pessoas foram afetadas pela falta da água entre 2013 e 2016. Neste período, foram registrados 4.824 casos de seca que causaram danos para a população. Somente em 2016, 18 milhões de habitantes foram afetados pela escassez hídrica, sendo que 84% dessas pessoas viviam no Nordeste no país

 

Retrato de uma tragédia

Infográfico água no Brasil

 

Mas, afinal, de onde vem a água que alimenta os rios?

Em coberturas florestais intactas, a infiltração da água da chuva no solo é máxima. Daí, a necessidade de se criar e proteger unidades de conservação para que se tornem reservatórios (lençóis freáticos) para reabastecimento de nascentes, o que se chama de aquífero.

Nas áreas de pasto, desmatamento, monocultura ou mesmo no asfalto e calçamento das cidades, o solo é mais compactado e, consequentemente, com menor capacidade de absorção de água nos reservatórios do subsolo. Daí seu efeito negativo para manter vivas ou recarregar nascentes e rios.

Nas suas andanças por estradas e matas dos arredores das cidades, você já percebeu quantas cachoeiras e minas de água brotam do alto de uma montanha? Pois bem. São do alto das montanhas que essas águas dos reservatórios frequentemente afloram e formam as nascentes e rios. Quando essa montanha é manejada, seja pela mineração, pela especulação imobiliária ou mesmo pelo desmate, estamos matando o nascedouro dos rios e consequentemente, diminuindo perigosamente a quantidade de água existente para a sobrevivência humana e animal.

Explicando os reservatórios, as “caixa d’água”, podemos agora falar sobre captação de água.

 

Qual o caminho da água até a nossa casa?

A construção de um sistema completo de abastecimento de água requer muitos estudos e pessoal altamente especializado. De um modo geral, um sistema convencional de abastecimento de água é constituído das seguintes unidades:

  • captação
  •  adução
  •  estação de tratamento
  •  reservação
  •  redes de distribuição
  •  ligações domiciliares
Caminho da água até a casa

Fonte: Copasa

 

Passo a passo

–  Captação

A seleção da fonte de água é um processo vital na construção de um sistema de abastecimento. A captação pode ser superficial ou subterrânea. A superficial é feita nos rios, lagos ou represas, por gravidade ou bombeamento. Já a subterrânea é efetuada por meio de poços artesianos, perfurações com 50 a 100 metros feitas no terreno para captar a água dos lençóis subterrâneos.

– Tratamento

Uma vez que a água é captada, o segundo passo é oxidar os metais presentes na água, principalmente o ferro e o manganês, que normalmente se apresentam dissolvidos na água bruta. Para isso, injeta-se cloro ou produto similar, pois tornam os metais insolúveis na água, permitindo, assim, a sua remoção nas outras etapas de tratamento.

A remoção das partículas de sujeira se inicia no tanque de mistura rápida com a dosagem de sulfato de alumínio ou cloreto férrico. Estes coagulantes têm o poder de aglomerar a sujeira, formando flocos. Para otimizar o processo adiciona-se cal, o que mantém o pH da água no nível adequado.

Na decantação, os flocos formados anteriormente separam-se da água, sedimentando-se no fundo dos tanques. Mas a água ainda contém impurezas que não foram sedimentadas no processo de decantação. Por isso, ela precisa passar por filtros constituídos por camadas de areia ou areia e antracito (carvão mineral) suportadas por cascalho de diversos tamanhos que retêm a sujeira ainda restante.

A água já está limpa quando chega a esta etapa. Mas ela recebe ainda mais uma substância: o cloro. Este elimina os germes nocivos à saúde, garantindo também a qualidade da água nas redes de distribuição e nos reservatórios.

Finalmente a água é fluoretada, em atendimento à Portaria do Ministério da Saúde. Consiste na aplicação de uma dosagem de composto de flúor (ácido fluossilícico) que reduz a incidência da cárie dentária, especialmente no período de formação dos dentes, que vai da gestação até a idade de 15 anos.

– Redes de distribuição

Para chegar às casas, a água passa então por vários canos enterrados sob a pavimentação das ruas da cidade. Essas canalizações são chamadas redes de distribuição. Para que uma rede de distribuição possa funcionar perfeitamente, é necessário haver pressão satisfatória em todos os seus pontos. Onde existe menor pressão, instalam-se bombas, chamadas boosters, cujo objetivo é bombear a água para locais mais altos. Muitas vezes, é preciso construir estações elevatórias de água, equipadas com bombas de maior capacidade.

–  Torneira da sua casa

Finalmente, a ligação domiciliar é uma instalação que une a rede de distribuição à rede interna de cada residência, loja ou indústria, fazendo a água chegar às torneiras. Para controlar, medir e registrar a quantidade de água consumida em cada imóvel, instala-se um hidrômetro junto à ligação.

 

 Mas como garantir que essa água não acabe?

A degradação de áreas verdes é uma das principais causas dos crescentes problemas de falta de água (e também de inundações). O Relatório Mundial das Nações Unidas aponta para a importância fundamental de se preservar essas áreas, pois elas possuem grande potencial no processo de coletar e “reciclar” a água, sendo essenciais para o abastecimento urbano. Muitas dessas áreas são as chamadas unidades de conservação, áreas protegidas pela legislação brasileira que têm a função de preservar os recursos naturais, como as águas que brotam de seu subterrâneo e formam os rios e lagos. Elas podem ser parques, áreas de proteção, reservas particulares e estações ecológicas.

 

Estações Ecológicas

Estação Ecológica de Fechos

Estação Ecológica de Fechos. Créditos: Evandro F. Lopes / IEF

O que é uma Estação Ecológica?

Uma Estação Ecológica é uma área que, segundo a legislação brasileira, deve ser protegida integralmente. Ela tem como objetivo a preservação da natureza e a realização de pesquisas científicas. Assim, nesses territórios é proibida a visitação pública, exceto com objetivo científico e educacional.

Por que as Estações Ecológicas são importantes para a manutenção da água?

As estações ecológicas possuem grande importância para a manutenção do chamado “ciclo das águas” (processo de transformação da água na natureza). Elas costumam ter um papel essencial para o abastecimento de mananciais (fontes de água que podem ser usadas para o abastecimento público), servindo como importantes áreas de infiltração da água que vai alimentar o lençóis subterrâneos e, posteriormente, ser disponibilizada na superfície através das nascentes. Enfim, elas ajudam a compor reservas de água potável.

Em Minas Gerais, a água de qualidade que brota das nascentes de muitas de suas estações ecológicas está ameaçada pela pressão de atividades humanas no entorno dessas áreas, como desmatamento, expansão imobiliária, agronegócio, lixo e esgoto não tratados. Outras estações estão ameaçadas de continuar existindo por projetos de lei que diminuem suas áreas de preservação, deixando-as disponíveis para atividades econômicas, como a mineração.

 

Você é da Região Metropolitana de Belo Horizonte?

Na próxima reportagem da série especial “O caminho da água” falaremos sobre uma Estação Ecológica vital para não deixar que essa região entre em colapso no futuro breve: Fechos. Apesar de localizar-se em Nova Lima e ser desconhecida da maior parte dos moradores de Belo Horizonte, Fechos está diretamente ligada a vida 200.000 pessoas que consomem a sua água na capital.

O Lei.A apurou que a fonte de água dessa estação, que é responsável pelo abastecimento de 29 bairros da região sul da cidade e seis de Nova Lima, diminuiu em 15% nos últimos dez anos. São 37,5 litros de água por segundo a menos que em 2008, aproximadamente uma piscina olímpica de água potável que deixa de chegar à região metropolitana a cada 70 segundos. Acompanhe a nossa série especial “O caminho da água” e saiba como agir para evitar que esse problema chegue à sua casa.

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1 Comment

  1. […] no seu subsolo. Nós do Lei.A já mostramos isso numa reportagem didática em setembro de 2018. Clique aqui e […]

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