O desmonte dos conselhos e o aparelhamento das câmaras decisórias do licenciamento ambiental em Minas Gerais

Na última reportagem da série “O caminho do licenciamento ambiental”, o Lei.A mostra como o interesse político provocou o desvirtuamento do licenciamento e transformou os conselhos de decisão em mera formalidade 

Conheça a lei aprovada apenas 20 dias após a tragédia da Samarco,  que flexibilizou o licenciamento em MG

Enquanto na Alemanha, as empresas não têm poder de voto nas câmaras decisórias do licenciamento ambiental, no Brasil, elas e as entidades que as defendem politicamente são maioria e decidem votações

Três acidentes ou tragédias envolvendo barragens acontecem no Brasil a cada ano, em média, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA). A maioria absoluta em Minas Gerais.

No entanto, a repetição de rompimentos, desastres socioambientais e mortes não tem servido para endurecer as legislações e nem para tornar as empresas mineradoras mais responsáveis diante da vida de populações que vivem próximas aos seus empreendimentos.

Fonte: ANA – Agência Nacional de Águas

 

Na reportagem anterior desta série, mostramos diversas imperfeições e desequilíbrio provocados pelo poderio político e econômico que, de alguma forma, se ligam com tragédias e danos irreversíveis (clique no link e leia a segunda reportagem da série). Nessa última reportagem, nós do Lei.A trataremos de duas delas: as manobras políticas para flexibilizar a legislação que rege o licenciamento ambiental em Minas Gerais e o estratégico aparelhamento dos conselhos deliberativos.

 

A manobra após a tragédia em Mariana

#Conheça

Nem a morte de 19 pessoas e a destruição de grande parte da biodiversidade da Bacia Hidrográfica do Rio Doce, ocasionadas pelo rompimento da Barragem da Samarco em Mariana, em 2015, foram capazes de sensibilizar as autoridades políticas e empresariais do estado. Apenas 20 dias após a tragédia, deputados estaduais aprovaram na Assembleia Legislativa uma lei que, na contramão de uma política ambiental mais rígida, flexibilizou o licenciamento ambiental em Minas Gerais, inclusive da mineração e suas barragens de rejeitos.

Em 25 de novembro de 2015, o Projeto de Lei nº 2.946, de autoria do então governador Fernando Pimentel (PT), foi aprovado após tramitar em regime de urgência na Assembleia Legislativa, com ampla maioria dos votos dos deputados (57 foram a favor e nove contra). Sancionada pelo próprio Pimentel, a nova lei alterou o funcionamento do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) e, com isso, colocou critérios políticos e financeiros acima da segurança da população.

Para saber o que é o SISEMA e como funciona atualmente a concessão de licenças, veja a primeira matéria da série “O caminho do licenciamento ambiental”: clique aqui

A nova lei, que ganhou o número 21.972, alterou o funcionamento dos conselhos decisórios, enfraquecendo a participação da sociedade e do Ministério Público, permitindo que o licenciamento ambiental de projetos causadores de significativo impacto ambiental , antes realizado em três fases distintas – licença prévia, licença de operação e licença de instalação –, fosse condensado em apenas uma etapa (licenciamento concomitante).

Dois anos após a flexibilização do licenciamento ambiental em Minas Gerais, uma nova decisão surpreende e traz novo retrocesso. Em dezembro de 2017, passou a vigorar a Deliberação Normativa 217, permitindo rebaixar o potencial de risco de barragens, de modo que certos processos de construção e alteamento puderam ser beneficiados pelo licenciamento condensado e escaparam do licenciamento trifásico. Foi o caso do licenciamento para alterações na barragem da mina do Córrego do Feijão, aprovado em dezembro de 2018.

Clique aqui e relembre quais os conselheiros que votaram a favor da ampliação do empreendimento da Vale no Córrego do Feijão 

 

A “classificação política” das licenças ambientais

Um ano após a mudança da legislação sobre as licenças ambientais, em 2016, outra decisão governamental criou um novo retrocesso. Por decreto do governador de Minas Gerais, surge a Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).

Vinculada diretamente ao secretário de Estado de Meio Ambiente, ela tem o poder de definir prioridades de análise de licenciamento de empreendimentos, inclusive, por critérios políticos. Até então, qualquer grande empreendimento que solicitasse as licenças ambientais teria esse pedido analisado regionalmente, pelo corpo técnico das Superintendências Regionais de Meio Ambiente (Suprams).

Além de afastar a análise de técnicos lotados nas regiões onde o empreendimento seria instalado, e que conhecem bem suas particularidades sociais, econômicas e ambientais, a criação da Suppri sucateou ainda mais a estrutura de fiscalização e licenciamento ambiental do governo mineiro. Isso porque os 25 funcionários do novo órgão (entre analistas técnicos, jurídicos e do setor administrativo) foram simplesmente deslocado das Suprams, dividindo assim uma estrutura já fragilizada.

 

Desde que começou a operar, a Suppri avaliou positivamente projetos de grande impacto ambiental, como o complexo de mineração da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro e o CSUL, um megaempreendimento imobiliário para 100 mil pessoas a ser instalado na Região Metropolitana de Belo Horizonte (leia aqui e aqui sobre essas questões). Outro pedido de licenciamento avaliado positivamente pela superintendência de prioridades foi o feito pela Vale para alterações na barragem do Córrego do Feijão, que rompeu e matou mais de 300 pessoas.

 

 

O aparelhamento de conselhos e câmaras técnicas

#Monitore

As mudanças provocadas pela Lei no 21.972 tiveram ainda como consequência o enfraquecimento da participação da sociedade civil nos processos decisórios de concessão de licenças ambientais. Antes dela, a votação pela concessão (ou não) de licenciamento para grandes empreendimentos acontecia nas chamadas Unidades Regionais Colegiadas (URCs). Elas são conselhos compostos por 20 membros, que contam com a participação do Ministério Público de Minas Gerais, e que atuam nas diversas regiões do estado, divididos por bacias hidrográficas.

Nesses conselhos, formados por pessoas e entidades diretamente ligadas aos territórios onde o empreendimento solicitante está ou vai se instalar, votava-se todos os tipos de licenciamentos (agricultura, mineração, indústria, etc.) que fossem classificados entre as classes 3 e 6. Porém, com a mudança do Sisema, promovida pelo então governador , sua competência foi reduzida e hoje se limita a pedidos menos importantes, como supressão de vegetação de pequeno porte, perdão de multas, entre outros.

Em contrapartida, para acelerar os processos de licenciamento, foram criadas as Câmaras Técnicas Especializadas ligadas ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A competência de conceder (ou não) licença ambiental para projetos causadores de significativo impacto (classificados nas classes 5 e 6 e, em alguns casos, 4 também) saiu das URCs e foi para essas Câmaras Técnicas.

Além de retirar do território impactado o poder de decisão, a mudança também aconteceu na composição dessa instância deliberativa. Ao contrário dos 20 membros das URCs, as câmaras técnicas possuem 12, sem a presença do Ministério Público de Minas Gerais e com menor representatividade das entidades ligadas ao meio ambiente, sem vínculo com o poder executivo ou com a iniciativa privada.

Por lei, a participação da população e representantes do Estado é paritária, ou seja, são seis cadeiras para os representantes do governo e seis para a sociedade civil. Mas com o aparelhamento político das câmaras técnicas, veio o desequilíbrio. Em abril 2016, por exemplo, a Câmara de Atividade Minerárias (CMI) tinha cinco representantes da área ambiental. Em dezembro daquele ano, esse número caiu para três representantes, com a retirada do Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio) e da Comissão de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais.

 

Quadro comparativo entre a composição de uma URC e a de uma Câmara Técnica

Nos últimos 12 meses, entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2019, nos 42 encontros realizados apenas um projeto minerário foi barrado na câmara. A votação nos processos de licenciamento dessas reuniões costumam terminar com o placar de 10 a 2 (ou 9 a 3) a favor da concessão da licença ambiental.

Desde outubro do ano passado, o Lei.A tem trazido o resultado das reuniões com o voto de cada conselheiro. Na última reunião, realizada em 22 de fevereiro, quando foi a aprovada a retomada da mineração na Serra da Piedade (link), o então superintendente do Ibama, Júlio Grillo, terminou a reunião fazendo duras críticas ao modelo da CMI.

Modelo alemão às avessas

O padrão de formação e atuação de conselhos ambientais adotados no Brasil e em Minas Gerais têm origem nos modelos da Alemanha e da França, mas devido às diversas distorções políticas e à influência do poderio econômico dos empreendedores, está totalmente desvirtuado.

Nos países europeus, o setor produtivo, diretamente interessado em ganhos financeiros, tem direito a fala, mas não tem direito a voto, ao contrário do que acontece aqui, onde esses setores dominam cada vez mais esses espaços de decisão, como mostra o quadro acima.

Mudar ou deixar como está?

#Aja

Para 2019, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), está propondo uma reforma administrativa. Ela visa mudar a estrutura organizacional do executivo mineiro. Acabar com secretarias, criar outras, mudar distribuição de cargos comissionados, entre outras alterações.

A proposta de reforma está na Assembleia Legislativa (link). É o momento de cada cidadão ou entidade representativa da sociedade civil conhecer a proposta de estrutura para a área ambiental, questioná-la e lutar pela mudança ou manutenção que entender necessária.

Buscar respostas para perguntas como: a Suppri será mantida? A forma de composição das câmaras técnicas do Copam será a mesma?

Abaixo, conheça outras formas de agir pelo fortalecimento do processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais.

 

Outras dicas para participar do licenciamento  

– As decisões sobre os pedidos de licenciamento são publicados no Diário da Imprensa Oficial de Minas Gerais (link) e devem estar também nos meios de comunicação do órgão ambiental competente. É importante acompanhar tais canais de comunicação. O Lei.A tem procurado acompanhar esses processos e trazer informações sobre grandes empreendimentos e seus processos de licenciamento ambiental.

– Se organizar para realizar atos públicos, passeatas, solicitar audiências públicas, abaixo-assinados, acionar imprensa e redes sociais estratégicas. Bem como enviar e-mails a gestores públicos e autoridades demandando reuniões e esclarecimentos e, quando necessário, solicitar audiências públicas nas câmaras municipais e na Assembleia Legislativa.

–  A identificação de quem será atingido é um dos principais embates que envolve o licenciamento de grandes empreendimentos. É possível a população questionar as definições dadas pela empresa, sobre quem são as pessoas e comunidades, diretamente, indiretamente ou mesmo emergencialmente, afetadas pela atividade. Nesse momento, serão importantes informações produzidas pela própria comunidade (mapas, fotos, vídeos, documentos, etc.). Novamente a dica: use o seu telefone celular!

– Se você for um atingido, não tenha pressa para tomar decisões ao negociar com o empreendedor ou com empresas contratadas por ele. Você não é obrigado a assinar documentos sem tempo para uma leitura atenta. É seu direito ficar com o documento para ler junto familiares ou parceiros que possam te assessorar. Sempre que assinar algo, fique com uma cópia.

– Em caso de graves e iminente risco para vidas humanas ou para o meio ambiente, enviar aos órgãos ambientais e ao Ministério Público, denúncias e solicitação de providências para suspensão do empreendimento. Sempre que possível, faça o registro escrito e fotográfico de problemas que podem ser consequência de atividades causadoras de impacto sobre o meio ambiente, tais como: morte de peixes, explosões, destruição de vegetação, interdição de estradas, e etc.

 

Quem mais pode te ajudar?

 

Emergência Ambiental do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema-MG) |

Tels: 31 99822-3947; 31 998253947; 31 3915-1237 (em caso de rompimento de barragens; explosões; vazamentos ou derramamentos de produtos perigosos, mortes de peixes em rios e lagos)

 

Defensoria Pública Estadual |

Rua Guajajaras, 1007, Belo Horizonte. Tel: 3526-0500

 

Defensoria Pública da União |

Possui escritórios em Belo Horizonte, Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros e Uberlândia). Tels: (31) 3069-6300; (31) 97588-0007 (Somente autuação de urgência).  http://www.dpu.def.br/endereco-minas-gerais

 

Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular |

Atua prestando atendimento e consultoria jurídica. Rua Diamantina 488, Bairro Lagoinha, Belo Horizonte: 31 3889-2013

 

Assessoria Popular Maria Felipa |

Rua Brasópolis, 210, Bairro Floresta, Belo Horizonte. Tel: 3657-9675

 

Ouvidoria Geral do Ministério Público Estadual de Minas Gerais |

Tel: 127 (ligação gratuita) ou 31 33308409 / 31 33309504

 

Ouvidoria Geral do Estado

Tel: 162

 

 

Compartilhe em suas redes

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email

Mais recentes

3 Comments

  1. […] Porém, por força da Lei 21.972/2016 e da Deliberação Normativa 217/2017, é permitido condessar as fases do licenciamento e rebaixar o potencial de risco. Nesse contexto, o empreendimento da Gerdau deve ser classificado como Licenciamento Ambiental Concomitante (LAC2), devendo ser realizado em duas fases e sua viabilidade ambiental deliberada pela Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) do Copam (para saber mais clique aqui). […]

  2. […] (clique aqui) e o aparelhamento dos conselhos responsáveis pelo licenciamento ambiental (clique aqui), deixam claro que o sistema normativo tem funcionado mal. […]

  3. […] Conheça nossa série de matérias sobre licenciamento (link; link e link) […]

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *