O Lei.A lança a série especial “As águas de Belo Horizonte”
Com linguagem simples e didática, falamos sobre o passo-a-passo do abastecimento
da água que chega até sua casa
A água é o principal elemento natural para o estabelecimento das ocupações humanas. Ao longo de séculos, foi sempre em torno de cursos de água que as cidades foram estabelecidas e se desenvolveram. Pense quantos centros urbanos você conhece que não tenham um rio, riacho ou ribeirão lhe cortando?
No entanto, toda essa sabedoria milenar e essa dependência vital das fontes de água não têm impedido que a ação humana venha destruindo mananciais imprescindíveis para o abastecimento de populações. O Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2018 alertou para um possível colapso das reservas de água potável. Segundo o documento, atualmente 3,6 bilhões de pessoas (quase metade do população) vivem em áreas com baixo acesso à água pelo menos um mês por ano.
Você sabia que Belo Horizonte, suas cidades da região metropolitana e nós moradores estamos sob iminente ameaça de entrar para esse triste quadro da crônica falta de água para sobreviver?
Nós do Lei.A iniciamos hoje uma nova série de reportagens que trata da água e do abastecimento humano. Nela, apontaremos como a situação de colapso hídrico se aproxima da Região Metropolitana de Belo Horizonte, área que concentra cerca de 30% da população de Minas Gerais e que agoniza ao ponto de viver atualmente em situação de escassez que já afeta a economia local.
Serão reportagens e vídeos nos quais falaremos sobre os mananciais que abastecem a região, os problemas que atualmente os atingem e como tem se dado o uso dessas fontes de vida em Minas Gerais. Nessa primeira reportagem, para introduzir o tema, saberemos quem faz o controle e a distribuição dessa água, quais são critérios utilizados nesse processo para que não falte água para a população e quem são os grandes consumidores.
#conheça
Entre a preservação e o consumo humano
Qualquer um que precise captar água em uma quantidade que possa alterar a qualidade ou volume de rios, lagos, reservatórios ou lençóis freáticos (reservas de água no subsolo, de onde, por exemplo, se tira água por meio de poços artesianos) deve solicitar uma autorização ao poder público, que é chamada de “outorga”. Ela é uma licença e tem como objetivo assegurar o controle quantitativo, qualitativo e jurídico do uso da água, de modo a garantir o abastecimento, especialmente, para o consumo humano.
No Brasil, a exigência de outorga para uso da água é regulado pela Lei 9.433 de 1977. A Agência Nacional de Águas (ANA) é a instituição responsável por emitir outorgas para rios, reservatórios, lagos e lagoas sob o domínio da União, que são aqueles corpos de água que passam por mais de um estado brasileiro ou por território estrangeiro. Por exemplo, os rios Doce, São Francisco e Jequitinhonha.
Em Minas Gerais, a outorga é um instrumento que está previsto na Política Estadual de Recursos Hídricos. Ela é utilizada para captação em fluxos d’água locais (que tem toda sua extensão dentro do território mineiro). Por exemplo, os rios Velhas e Paraopeba.
O órgão responsável por essas concessões é o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam). Este último é uma autarquia que integra o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema).
A realização da análise das outorgas acontece por meio das reuniões das Unidades Regionais de Gestão das Águas (Urgas). Em caso da outorga estar vinculada a licenciamentos ambientais de grande vulto (hidrelétricas, barragens de resíduos e instalação de usinas), ou em áreas protegidas (parques, estações ecológicas, reservas naturais, entre outras), atualmente a competência dessa análise é das Superintendências de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Suprams).
Conheça nossa série de matérias sobre licenciamento (link; link e link)
O direito ao uso
A outorga não dá ao usuário a propriedade de água, e sim o direito de uso. Portanto, ela pode ser suspensa, parcial ou totalmente, em casos de escassez de água, de não cumprimento das regras por aquele que recebeu sua concessão e para se atenderem aos usos prioritários, como o consumo humano. Ou seja, se numa cidade se usa água de determinado rio tanto para o consumo humano quanto para a indústria, mas por algum problema, sua vazão (quantidade de água) não está conseguindo atender os dois, o correto seria suspender a outorga para os empreendimentos industriais para que a vida humana fosse preservada. Infelizmente, isso não tem acontecido. Veremos isso nas próximas reportagens da série especial.
Quanto de água pode ser retirada de um rio?
O valor de referência para determinar a concessão das outorgas é definido por um cálculo que é chamado pelos técnicos de Q7,10. Durante a medição do volume de um curso de água verifica-se qual foi a vazão mínima durante sete dias consecutivos, levando em consideração um período recorrente de 10 anos. A partir desse valor obtido determina-se a quantia máxima que pode ser captada nesse curso d’água, que pode variar de acordo com a região (veja o mapa abaixo).
Segundo a Deliberação Normativa 49 do Igam, de março de 2015, se os valores monitorados em um curso d’água estiverem de 70% (ou 50% dependendo da região) abaixo do Q7,10, durante um período de sete dias seguidos, o manancial deve entrar obrigatoriamente em estado de restrição de uso. Nesse caso, é necessário reduzir o uso da água, de acordo com os tipos de consumo, para que a balança entre uso humano e preservação não pese demais para o primeiro lado e o rio (e seu ecossistema) fique permanentemente prejudicado.
Os números do uso da água em Minas Gerais
Atualmente, levando-se em conta as outorgas no estado, quase 80% da água consumida vai para a agropecuária, indústrias em geral e mineração. O consumo humano responde por apenas 19%.
O setor que mais consome água em Minas Gerais é disparado o agropecuário, sendo responsável por quase 65% da água utilizada no estado (como podemos ver nos gráficos abaixo). São cerca de 312.000 litros por segundo (o suficiente para encher uma piscina olímpica a cada 8 segundos), o que equivale a mais de três vezes do que é enviado para o abastecimento humano no estado (94.000 litros por segundo).
Porém, na Região Metropolitana de Belo Horizonte existe um outro grande consumidor de água que é o setor de mineração. A atividade possui atualmente cerca 700 outorgas (superficiais + subterrâneas) para captação da água vigentes na região. Isso representa um consumo de aproximadamente 7.700 litros por segundo, o que daria para abastecer mais de 4 milhões de pessoas (além dos 6 milhões de pessoas que vivem na região). O setor responde por cerca de 50% da água captada de forma subterrânea (em lençóis freáticos) e 20% da água captada em rios, lagos e represamentos.

Fonte: IGAM
#monitore
As novas regras de outorga em Minas Gerais
No dia 05 de outubro desse ano, novas regras para outorga foram publicadas no estado a partir da Portaria 48 do Igam. Agora, toda solicitação de processos de outorga deve ser feita por meio eletrônico, eliminando a necessidade de deslocamentos e de apresentação de documentação física.
Os formulários, documentos de apoio e demais orientações encontram-se disponíveis no link
Também foi alterado o tempo da concessão da outorga, ampliado de cinco para dez anos, o que faz com que o usuário fique um prazo maior sem a necessidade de abrir um novo processo junto ao órgão ambiental. Ela também estabeleceu que, para usos de hidrelétricas e concessionárias de abastecimento público, o prazo da outorga será equivalente ao tempo da concessão. No caso das obras civis, como limpeza de barramentos, a autorização passa a não ser necessária.
#Aja
Cuide da fonte de água da sua cidade
Nessa primeira reportagem mostramos que existem regras e licenças para qualquer grande retirada de água. Também mostramos que o “consumo humano” deve ser prioridade em relação a qualquer outra utilização dos recursos hídricos. E na sua cidade? Está faltando ou existe ameaça de falta de água? Você sabe quantas outorgas (licenças) foram concedidas e para quem?
– Exija os dados, que são públicos, dos órgãos competentes.
– Procure universidades, ONGs e empresas que possuem conhecimento sobre recursos hídricos e solicite uma avaliação sobre a situação do seu município.
– Se qualquer informação for sonegada, procure o Ministério Público de Minas Gerais.
Pesquise na plataforma digital do Lei.A
Na nossa plataforma, você pode pesquisar quantas outorgas ou captações de águas existem na sua cidade. Basta clicar na foto abaixo.
Próxima reportagem
Na segunda reportagem da série especial, que publicaremos na próxima sexta-feira, falaremos sobre as fontes de água especificas de Belo Horizonte e de como a questão das outorgas de água podem estar por trás do colapso hídrico que se avizinha na capital mineira.
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6 Comments
Excelente reportagem e de grande relevância para todos os cidadãos de BH. O consumo humano da água e prioridade, por isso essa luta e de todos e de cada um de nós
[…] são outorgas, como elas são concedidas e quem são os grandes usuários (se não leu, clique aqui link). Agora é importante você saber que as empresas que fazem o abastecimento e a distribuição de […]
[…] – quais são as regras para o uso comercial e de abastecimento humano da água (link); […]
[…] quais são as regras para o uso comercial e de abastecimento humano da água (link); […]
[…] Rio Paraopeba: o manancial que virou lama – Lei.A em Metade do mundo vive sob racionamento de água: BH entrará para essa estatística? […]
Gostei muito da reportagem mas, poderiam colocar um link para irmos facilmente de uma para a outta