Mês do Patrimônio | Os Conjuntos Urbanos de Belo Horizonte

A capital mineira possui 23 Conjuntos Urbanos protegidos em nível municipal; mas você sabe o que eles significam, onde estão e por que devem ser protegidos?

Lei.A foi em busca da história, da memória e da identidade cultural da cidade embutidas na arquitetura e na vivência histórica desses espaços icônicos

O patrimônio cultural pode ser entendido como o conjunto de bens materiais e imateriais que guardam consigo representações históricas, artísticas e culturais de um grupo de pessoas. Estes bens culturais devem ser preservados, pois resgatam memórias e identidades dos nossos antepassados, nos contando um pouco como era a vida antes de nós.

Os Conjuntos Urbanos representam parte do patrimônio cultural na medida em que atribuem valores arquitetônicos, urbanísticos, paisagísticos e históricos que marcaram a paisagem urbana. Desde a criação do Sphan (1937), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o patrimônio urbano foi debatido e reconhecido como bem cultural. 

Porém, houve significativa ampliação desses conceitos. O que antes era visto como um bem material imóvel, espécie de cidade intocada, foi sendo compreendido em sua dinâmica viva, cotidiana, em constante transformação, ganhando novos significados e um alcance bastante ampliado.

Os conjuntos podem ser constituídos por apresentarem caráter excepcional e singular, ou ainda pelo conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico na construção da ambiência histórica de um território. Pela importância deles ao patrimônio urbano, diversos órgãos e institutos visam promovê-lo e protegê-lo em nível local e global. 

Nesse mês do Patrimônio Cultural, nós, do Observatório Lei.A, preparamos uma série especial sobre o tema. Nesse conteúdo, o que significa, na prática, um Conjunto Urbano? Qual o caminho até o seu reconhecimento? Fomos em busca da história de três conhecidos Conjuntos Urbanos de Belo Horizonte para ouvir os segredos que eles guardam.

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Centro Histórico de São Luís (MA). Foto: Iphan
Mapa do Centro Histórico de São Luís (MA). Divulgação Prefeitura de São Luís

Quem reconhece um Conjunto Urbano?

Em nível mundial, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) promove ações de reconhecimento e proteção de patrimônios. Em nosso país, são exemplos de Conjuntos Urbanos reconhecidos pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade os centros históricos de Ouro Preto (MG), Olinda (PE), Salvador (BA), São Luís (MA), Diamantina (MG), Cidade de Goiás (GO) e o Conjunto Moderno da Pampulha, em Belo Horizonte (MG). 

No Brasil, até 2017, o Iphan havia decretado o tombamento de 88 Conjuntos Urbanos, com destaque, por exemplo, para os das cidades mineiras de Ouro Preto e de Diamantina. Minas Gerais possui ainda outros sete sítios tombados pelo Iphan: Cataguases, Congonhas, Mariana, Paracatu, São João del Rei, Serro e Tiradentes. 

Paracatu (MG). Foto: Visite Paracatu

O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG),  órgão de preservação do Patrimônio Cultural do estado, também adota políticas de proteção a sítios e Conjuntos Urbanos. Em Belo Horizonte, por exemplo, a proteção estadual é aplicada para diversos deles, com o reconhecimento de diferentes valores patrimoniais.

Como se dá o tombamento de um Conjunto Urbano?

As maiores ameaças aos Conjuntos Urbanos aparecem na forma do abandono, da subutilização de seus bens culturais, ou por pressão da especulação imobiliária. Um patrimônio dinâmico, isto é, aquele que conserva sua relevância cotidiana, permitindo uma ressignificação dos usos pela população, sem dúvida favorece a conscientização e a educação patrimonial necessárias para sua conservação. 

O processo de reconhecimento e tombamento de um Conjunto Urbano se inicia com a avaliação de edificações e espaços nos quais é possível identificar características arquitetônicas, artísticas ou de apropriação social que expressem coesão ou remetam à história social da cidade. Na segunda etapa são feitas pesquisas históricas e consultas aos moradores. 

Num terceiro momento, analisa-se os dados com o objetivo de delimitar a área e de catalogar os bens a serem protegidos, e propõe-se as diretrizes de proteção ao conjunto e as suas partes individuais. Por fim, organiza-se um dossiê para submetê-lo à avaliação do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município – que delibera e vota sua aprovação ou não.

O antigo Curral del-Rey, sítio histórico que ao final do século XIX deu lugar à construção da Cidade de Minas, depois Belo Horizonte, sofreu mais mudanças do que apenas as linhas planejadas de Aarão Reis. A construção instigou enorme interesse e vinda de pessoas para a nova capital, e a paisagem urbana foi se moldando. 

Novas ruas, edifícios, praças e centros foram se formando, abrigando especificidades culturais coletivas, com seus fazeres e saberes, manifestações religiosas e simbologias. Os Conjuntos Urbanos de BH representam parte de toda essa construção cultural, expondo o crescimento de áreas da cidade em períodos distintos.

Cada conjunto urbano protegido representa uma história, uma identidade, usos, apropriações e arquitetura singular. Por meio deles, se exprimem os significados da experiência histórica da cidade, sua memória coletiva e o valor que a população lhe atribui enquanto paisagem cotidiana, afetiva e cultural.

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A história de BH em 3 Conjuntos Urbanos

A história de BH em 3 Conjuntos Urbanos

Segundo a Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público, da Prefeitura de Belo Horizonte, a capital tem 23 Conjuntos Urbanos com proteção municipal, com valores arquitetônicos, urbanísticos e paisagísticos. O Conselho Deliberativo de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte institui os perímetros de tombamento, as diretrizes de proteção e mapeamento cultural dos Conjuntos Urbanos protegidos. Nós, do Lei.A, separamos três desses Conjuntos Urbanos de BH para você conhecer. 

Avenida Afonso Pena e Adjacências 

O Conjunto Urbano da Avenida Afonso Pena e Adjacências foi protegido pelo município em 1994, com a inserção da avenida, do monumento da Praça Sete de Setembro e das edificações emblemáticas ao longo da via. 

Desde o projeto de Aarão Reis, a Afonso Pena foi pensada como via de ligação, de ponta a ponta, dentro da cidade planejada – isto é, da calha do Rio Arrudas até o pé da Serra do Curral. Finalizada apenas em 1927, a avenida Afonso Pena no início do século XX era um espaço de passagem quase obrigatório para pedestres e veículos, pois abrigava grande parte dos estabelecimentos comerciais e residências. 

Ainda na primeira metade do século XX, alguns eventos marcaram a evolução da paisagem urbana da Afonso Pena, como a construção da Praça Cruzeiro e as obras de prolongamento, que tinham como intuito expandir a avenida até a Praça da Bandeira, local hoje que integra o perímetro de tombamento do Conjunto Urbano. 

Esta última obra alterou a ocupação ao longo da via, sendo que as antigas favelas foram extintas, dando lugar a implantação de outros equipamentos urbanos e edificações com usos diversos. Como notado nas regiões  ao redor, a verticalização também foi um processo inadiável na Avenida Afonso Pena após o ano de 1960. 

A aposentada Nora Fonseca mora na Avenida Afonso Pena, na altura do bairro Cruzeiro, mas passou boa parte da infância vivendo no Edifício Pilar, prédio de 23 andares tombado, na esquina com a rua Guajajaras, quase em frente ao Parque Municipal. 

Segundo ela, sua relação com a avenida vem do cotidiano, do “encantamento de ver a cidade, até mesmo a Serra da Piedade”. Ela se lembra das referências da antiga avenida e seu entorno, pois no passado era agradável e deixou saudades. 

Muitas coisas mudaram com o passar do tempo, desde a demolição da feira de amostra, para dar lugar a atual rodoviária, mas também a modernização da Praça Rio Branco, a retirada dos trilhos dos bondes e do canteiro central de árvores e a ocultação dos córregos. Contudo, segundo Nora, o local ainda guarda uma função muito importante: a vida do centro, que ainda gira em torno da Avenida Afonso Pena.

Entre os marcos urbanos da avenida Afonso Pena estão a Praça Sete e seu monumento, o Cine Teatro Brasil, o Palácio das Artes, o Edifício Sulacap, a Praça Rio Branco e o Terminal Rodoviário, o Parque Municipal, entre outros. 

Estes espaços abrigaram, para além de local de passagem e de moradia, encontros sociais, atividades culturais e manifestações sociais históricas, como o movimento as “Diretas Já” (1983-84) – e seguem ensejando usos culturais perenes, como a feira hippie. 

Praça Rui Barbosa – Praça da Estação 

O conjunto da Praça Rui Barbosa possui bens culturais que se tornaram ícones da identidade da cidade, como o viaduto de Santa Teresa, o edifício de estilo eclético da Estação Ferroviária Central do Brasil (EFCB), ou os balaústres da rua Sapucaí, no bairro Floresta. Porém o ponto de referência, e que dá nome ao conjunto, é a praça Rui Barbosa. 

Este conjunto foi tombado no ano de 1998, pela Prefeitura Municipal de Belo Horizonte (Deliberação n° 18/98 de 01.12.98), com a denominação de Conjunto Urbano da Praça Rui Barbosa e Adjacências. 

Inaugurada em 1906, com estilo dos jardins ingleses, a praça figurou como uma recepção aos que chegavam na nova capital vindos de trem de ferro, principalmente os trabalhadores para a construção da cidade. Passageiros mais ilustres, como Santos Dumont ou Rui Barbosa, então candidato a presidente da República, também encontraram uma multidão de admiradores os aguardando na praça.

Mas a importância do sítio não se restringiu a ser espaço de passagem. Ela se constituiu também como espaço de trabalho nas indústrias da área central até a década de 1950. Posteriormente, houve o desenvolvimento do uso residencial e do comércio atacadista no entorno. 

Em anos recentes, a Praça da Estação, como é informalmente conhecida, tem sido espaço de movimentos pelo retorno do uso do centro, sobretudo por meio da ocupação do espaço público com manifestações culturais e de lazer nos vários bens do conjunto – como os evento musicais no baixio do Viaduto Santa Teresa, na Praça Rui Barbosa, ou o lazer na rua Sapucaí. 

Após um longo período de esvaziamento e de decadência, iniciado na década de 1970, em virtude da desvalorização de suas adjacências, as edificações do conjunto têm sido revitalizadas e ganharam novos usos, como o próprio prédio da Estação RFFSA, que abriga o Museu de Artes e Ofícios desde o seu restauro, em 2005. O edifício da antiga Serraria Souza Pinto virou espaço de eventos e o da União Brasileira Distribuidora de Tecidos se tornou o atual Café e Cinema 104.

O Conjunto Urbano Raul Soares/Olegário Maciel

O Conjunto Urbano Raul Soares/Olegário Maciel, tombado em 2008, tem importância histórica na articulação da malha viária da cidade e no desenvolvimento do lazer, do comércio e da vida boêmia nos seus arredores. O espaço determinou o eixo de desenvolvimento urbano para o vetor noroeste da avenida do Contorno.

Prevista no plano original de Aarão Reis, a Praça Raul Soares foi projetada com o nome de Praça 14 de Setembro, e suas obras foram iniciadas em 1930 – com o nome atual conferido alguns anos antes, em homenagem ao governador Raul Soares, falecido no exercício de seu mandato, em 1924. 

Projeto do artista e arquiteto mineiro Érico de Paula, a praça impressionava pela geometria de proporções matemáticas, similar aos jardins franceses do séculos XVII. Do ponto de vista arquitetônico e estético, a Praça Raul Soares rompia com o modelo de desenho das demais, que adotavam o estilo inglês, mais próximo do pitoresco do que da razão matemática – por exemplo, a Praça da Liberdade ou o Parque Municipal.

O espaço começou a ser ocupado com edifícios e residências na década de 1940, uma década marcada pela arquitetura da simplicidade volumétrica na cidade, além do início do processo de verticalização. A Praça Raul Soares fez com que a praça se tornasse o centro dessa verticalização, com a região experimentando uma grande valorização. 

Destaca-se no Conjunto Urbano o Edifício JK, projetado por Oscar Niemeyer, em 1952, exemplar da arquitetura moderna mineira, com elementos como as janelas em fitas envidraçadas e pilotis. Este edifício está no imaginário de Belo Horizonte, seja como local de passagem, de encontro e até mesmo de localização. 
Nesse cartão-postal, nós, do Lei.A, conversamos com Camila Pinho, estudante de Museologia, que trabalha numa loja de móveis na galeria do edifício, além de integrar o coletivo Viva JK. Por ser neta de um antigo morador, Camila tem vivência do edifício, da praça Raul Soares e de seus entornos desde a infância. Como estudante de Museologia e por participar do coletivo, a estudante observa a região com outro olhar.

Segundo Camila, a praça mudou ao longo do tempo. “Antes da revitalização e do Movimento Cultural Cura, era um local abandonado e marginalizado. Atualmente, é muito utilizada pelos moradores e outros belo-horizontinos”, conta. Para ela, o conjunto urbano guarda muitos espaços afetivos e simbólicos, como os sapateiros no entorno da praça, o Mercado Novo com seus cafés, a antiga boate Matriz, e o próprio JK, com o “relógio do Itaú”, como marco identitário para as pessoas. 

Outros espaços do Conjunto Urbano Praça Raul Soares-Olegário Maciel são o Mercado Central e a Praça Carlos Chagas, conhecida como Praça da Assembleia, e suas edificações – como o edifício escolar Pandiá Calógeras e a Igreja Nossa Senhora de Fátima, além do projeto paisagístico de Burle Marx.

2022 – Mercado Central. Foto: Lei.A

Segundo o Dossiê de Tombamento, as décadas de 1950 e 1960 foram o auge da vida social na Praça Raul Soares, quando se tem a prática de dois hábitos recorrentes no período: o footing, a forma socialmente constituída de paquera da época, e as apresentações da banda de música da polícia, aos sábados. Havia ainda a fonte luminosa, as sessões do Cine Candelária, bares, restaurantes e danceterias.

No fim dos anos 1960, a apropriação e o uso de lazer das classes médias foram se alterando, passando por uma fase identificada como decadência, quando o estigma oriundo do uso noturno do espaço começou a afastar seus frequentadores diurnos habituais. Hoje, apesar de diversas reformas, a Praça Raul Soares manteve algumas características originais, como as pedras portuguesas, a fonte e a geometria.

#Aja

Conhece alguém que vai se interessar pelo assunto? Compartilhe os nossos conteúdos! Quer saber mais? Lei.A indica essas super fontes, utilizadas no conteúdo de hoje, sobre os conjuntos urbanos, a arquitetura e a história de Belo Horizonte:

LIVROS

  1. BARRETO, Abílio. Belo Horizonte: Memória Histórica e Descritiva. Belo Horizonte: Editora Fundação João Pinheiro, 1997.
  2. CARMO, Luiz Mauro. Edifícios de Apartamentos em Belo Horizonte: 1939-1976. Belo Horizonte: AP Cultural, 1998.
  3. LEMOS, Carlos AC. Arquitetura Brasileira. São Paulo: Melhoramentos: Ed. da Universidade de São Paulo, 1979.

ARTIGOS, DISSERTAÇÕES E TESES 

  1. OLIVEIRA, Raquel. Dossiê da ausência: o patrimônio arquitetônico em condição de vacância na região central de Belo Horizonte. Belo Horizonte, 2020. 
  2. CASTRIOTA, Leonardo Barci. Intervenções sobre o patrimônio urbano: modelos e perspectivas. Forum Patrimônio: amb. constr. e patr. sust., Belo Horizonte, v.1, n.1,set./dez. 2007.
  3. PEREIRA, Valnei; MAIA, Andréa Casa Nova. Belo Horizonte em três tempos: projetos em perspectiva comparada. In Revista de História Comparada; v. 3, n. 1. Rio de Janeiro: UFRJ (2009).
  4. AMORIM, Ivana Costa de. Gestão de projetos em área urbana: a experiência de Belo Horizonte na preservação e revitalização da Praça Rui Barbosa. Dissertação (mestrado). 2011.
  5. FIGUEIREDO, V. G. B. (2013). O patrimônio e as paisagens: novos conceitos para velhas concepções?In:  Paisagem E Ambiente, (32), 83-118. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/paam/article/view/88124

MANUAIS, CARTILHAS E DOSSIÊS 

  1. BRASIL. Ministério da Cultura. Normatização de Cidades Históricas: orientações para a elaboração de diretrizes e Normas de Preservação para áreas urbanas tombadas. Brasília: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2010.
  2. BELO HORIZONTE. Secretaria Municipal de Cultura. Conhecendo o patrimônio cultural de Belo Horizonte: Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa. Belo Horizonte: Secretaria Municipal de Cultura, s/d. Disponível em: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/fundacao-municipal-de-cultura/2021/pest-pdf.pdf
  3. BELO HORIZONTE. Fundação Municipal de Cultura. Inventário Conjunto Urbano Praça Raul Soares Avenida Olegário Maciel. Belo Horizonte: Fundação Municipal de Cultura: 2008.

LINKS E SITES 

  1. Guia dos Bens Tombados – Plataforma online de localização de bens culturais de Belo Horizonte. 

PLATAFORMA LEI.A

  1. Quer ver onde estão os bens culturais de Belo Horizonte, ou de qualquer outro dos 853 municípios de Minas Gerais? Com o apoio da Coordenadoria de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, do Ministério Público de Minas Gerais (CPPC/MPMG), a Plataforma Lei.A disponibilizou a consulta online, georreferenciada, de mais de 4 mil bens culturais protegidos no estado, seja em nível federal, estadual e municipal. Clique aqui e conheça!

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