Enquanto apenas 3% do lixo é reciclado no Brasil, projeto em tramitação na Assembleia Legislativa defende a liberação da queima desde que não seja diretamente no ar; associação de catadores é contra.
O lixo é um dilema longe de ter solução definitiva no mundo. Produzimos toneladas de lixo que acumulamos na natureza. No Brasil, a nossa atuação e também dos governos, que são os agentes do bem público, são tímidas. Neste cenário, vão surgindo propostas polêmicas. Por exemplo, a incineração do lixo como forma de diminuir a sua disposição inadequada. Esta proposta é real, mas possui forte resistência, principalmente de quem, inclusive, trabalha com reciclagem.
Quer entender um pouco mais para poder se posicionar?
Hoje, em Minas Gerais, é proibida a incineração no processo de destinação final dos resíduos sólidos urbanos. É exatamente a derrubada desta proibição o objetivo do Projeto de Lei 3893. Dentro do trâmite da Assembleia Legislativa, ele já recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça e aguarda apenas aprovação da Comissão de Administração Pública para seguir ao Plenário.
A Comissão de Meio Ambiente, exatamente a que deveria estar mais atenta ao projeto, ficou de fora da análise, pois perdeu o prazo regimental para emitir seu próprio parecer.
Se as comissões aprovaram ou se furtaram à discussão, uma parcela importante da sociedade civil é contrária ao projeto: as associações e profissionais dedicados à reciclagem de parte dos resíduos sólidos que vêm sendo gerados pela sociedade.
“A viabilidade financeira da incineração exige a queima de lixo seco, que é exatamente onde estão os materiais recicláveis coletados pelos catadores. Ou seja, a aprovação deste projeto de lei seria um tiro na própria reciclagem em Minas Gerais”, disse ao Observatório Lei.A, o deputado estadual André Quintão (PT). Ele também é autor da Lei Estadual 21.557, que assegurou, em 2014, a proibição da prática em todo o estado de Minas Gerais.
Procurado pelo Lei.A, o Movimento Nacional dos Catadores de Material Reciclável (MNCR) também se posicionou contrário à proposta. “Minas Gerais foi o primeiro estado do Brasil a proibir a incineração e mais seis estados nos seguiram depois disso. A vanguarda de Minas neste tema está em risco e é impossível a gente deixar isso passar”, disse Luiz Henrique, membro da coordenação nacional do MNCR.
Ainda segundo ele, a liberação contraria tendência mundial de substituição das tecnologias de incineração por mais políticas públicas de incentivo à cadeia produtiva da reciclagem. “Está mais do que comprovado que a incineração [de resíduos sólidos] aumenta perigosamente a poluição do ar. Além disso, há uma espécie de fuga das tecnologias de incineração que estão sendo descartadas nos países da Europa. Então é uma espécie de ‘resto’ daquilo que não está mais sendo aceito nos países mais desenvolvidos”, criticou.
Polêmica
Autor da proposta, o deputado João Magalhães alega que a aprovação do PL não vai liberar a queima de lixo a céu aberto, prática que continuará proibida. Ainda segundo ele, a proibição atual não contribui para a reciclagem e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos. “Na forma como está, essa medida veda a utilização de alternativa tecnológica de recuperação energética de resíduos sólidos urbanos sem fundamentação técnica que a justifique”, alega.
Procurado pelo Lei.A, o ex-presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), José Cláudio Junqueira, também se posicionou contra a proibição da incineração em Minas Gerais. Mas argumentou que a liberação, sem a definição de critérios de controle ambiental para regular a prática, de fato cria um risco grande para a sustentabilidade da reciclagem.
“Os catadores têm razão em pensar que, ao liberar a incineração, a administração publica vai achar a coisa mais cômoda do mundo não implantar a reciclagem e resolver tudo via incineração”, alertou.
Segundo ele, uma alternativa intermediária seria retirar a proibição da incineração, mas condicionando sua aplicação ao fortalecimento da própria cadeia de reciclagem. “Teríamos que criar um artigo novo dizendo que, no caso de se instalar o processo de incineração para geração de energia, serão exigidas pela empresa taxas de recuperação de material reciclável progressivas cuja destinação seriam as associações de catadores”, sugeriu.
Dilemas da incineração do lixo
Atenção: Incineração em Sarzedo
Segundo fontes ouvidas pelo Observatório Lei.A, uma das consequências imediatas da aprovação do projeto de lei 3893 poderia ser a implementação da incineração de resíduos sólidos urbanos pela empresa Ecovital, no município de Sarzedo, Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Autodeclarada a “maior e mais moderna usina de incineração de resíduos industriais perigosos do Brasil”, a empresa foi alvo de imensa polêmica ao postular a incineração de três mil toneladas de resíduos químicos provenientes de Cubatão (SP) no Distrito Industrial Benjamim Ferreira Guimarães, que fica a mais de 600 quilômetros de distância da capital mineira.
Entre os compostos enviados para Sarzedo estava a substância conhecida como “pó da china”, proibida no Brasil desde 2006. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o pentaclorofenato de sódio é altamente tóxico para humanos e animais. A substância afeta o fígado, os rins, a pele, os pulmões, além dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico, podendo provocar delírio, febre, convulsão e outros males.
A incineração foi suspensa por recomendação do Ministério Público Estadual (MPMG), que abriu inquérito civil para investigar o caso. “O que me intriga nessa história é que outros Estados (Bahia, Paraná, São Paulo e Santa Catarina) se recusaram a fazer a incineração, ao contrário de Minas Gerais”, disse a deputada Marília Campos (PT), que pede a suspensão da licença da empresa para operar na Grande BH.
Você pode atuar
Caso queira influenciar no resultado da votação, uma alternativa é marcar presença na reunião da Comissão de Administração Pública onde o novo parecer do projeto de lei 3893 será apresentado. A data será informada pelo Lei.A, tão logo esteja oficialmente agendada pela Assembleia.
Outra possibilidade é mandar desde já seu recado aos parlamentares responsáveis pela próxima fase de tramitação do Projeto de Lei na Assembleia. É só entrar na página da Comissão de Administração Pública, no site da Assembleia, e clicar no botão vermelho “Fale com a Comissão” para deixar sua mensagem.
Para ler a íntegra do projeto de lei 3893 e da justificativa do deputado, clique aqui.
Para acessar a lei estadual 18031, que estabelece a Política Estadual de Resíduos Sólidos, clique aqui.
Outros Projetos de Lei
Você é a favor da instituição obrigatória da coleta seletiva nas escolas de Minas? Ou da criação de cursos para capacitar trabalhadores que atuem nas atividades de coleta seletiva e de aproveitamento de materiais recicláveis no estado? Na próxima matéria da série Caminhos do Lixo, falaremos sobre outros 21 projetos de lei sobre resíduos sólidos que estão tramitando agora na ALMG. Acompanhe a descubra o que os deputados de Minas querem mudar na forma como gerimos e nos relacionamos com nossos resíduos.
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[…] Foi o que aconteceu em relação ao projeto de lei 3893, que quer revogar a proibição que existe hoje à utilização da tecnologia de incineração no processo de destinação final dos resíduos sólidos urbanos gerados pelos municípios mineiros. A proposta é duramente criticada por catadores de material reciclável (Saiba mais aqui). […]
[…] Para entender o que está em risco, clique aqui. […]
[…] PL 3893/2016 | Libera a incineração no processo de destinação final de Resíduos Sólidos, hoje proibida pela Política Estadual de Resíduos Sólidos. A proposta avançou por duas comissões sem discussão, por perda de prazo, sem receber nenhum parecer, e está pronta para ir ao plenário. Esse projeto de lei foi tema de reportagem do Lei.A. Releia aqui. […]