O Lei.A lança a série “O caminho do licenciamento ambiental” para ajudar a entender o tema que está na raiz das tragédias da Samarco e da Vale
Ele atrasa o desenvolvimento, ou salva vidas e as fontes naturais para o desenvolvimento sustentável de hoje e das gerações futuras?
Nessa primeira reportagem, entenda o que é licenciamento, por quem ele é decidido, como ele impacta a vida de sua família e de que forma você pode agir quando um grande empreendimento quiser se instalar em sua comunidade
O tema “licenciamento ambiental” ganhou destaque nos últimos meses. O submundo de suas concessões em tempo recorde; atropelos de análises técnicas contrárias; manobras políticas de governadores e presidentes da República para facilitá-lo; o sucateamento de órgãos públicos de controle e fiscalização e o aparelhamento de conselhos que deveriam resguardar o cumprimento de condicionantes começaram a vir à tona logo após a tragédia do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. Antes dela, o comum eram declarações de políticos e grandes empresários afirmando ser o licenciamento ambiental “um mecanismo que atrasa o desenvolvimento econômico”.
Em entrevista ao Lei.A, por exemplo, o então candidato e hoje governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), falou da necessidade de agilizar licenciamentos ambientais no estado, passando sua fiscalização para empresas privadas (link).
Já o presidente Jair Bolsonaro (PSL) foi além e, no final de 2018, afirmou que licença ambiental atrapalha obras e que iria acabar com “capricho” dos fiscais do meio ambiente. No início de fevereiro, ele encomendou à sua equipe de ministros a elaboração de um plano de licenciamento ambiental unificado para acelerar a concessão de licenças.
A cultura de olhar o licenciamento ambiental sob o viés do empecilho e não por sua real função (atestar que tal ação prevê mecanismos eficazes e suficientes para evitar mortes e salvaguardar as fontes naturais para o desenvolvimento sustentável) é recorrente. Diversos governadores de Minas Gerais e presidentes da República já implementaram políticas públicas nesse sentido ou atropelaram seus trâmites para colocar em prática grandes obras e promessas de campanha.
Em sentido contrário, ambientalistas e pesquisadores afirmam que o licenciamento é o principal instrumento de proteção da sociedade e do meio ambiente que hoje existe na legislação.
Com isso, nós do Lei.A preparamos e lançamos essa série, “O caminho do licenciamento ambiental”, com o intuito de auxiliar a população e os movimentos ambientais a entender como ele acontece em Minas Gerais. Para começar, uma pergunta:
Afinal, o que é licenciamento ambiental?
#Conheça
O licenciamento ambiental é uma exigência para todas as atividades que possam causar algum tipo de intervenção ao meio ambiente (água, árvores, rios, animais e também seres humanos). É obrigatório para as barragens de rejeitos, como as da Samarco e da Vale, rodovias, empreendimentos agrícolas, fábricas e até para as nossas próprias casas e prédios residenciais. Ele foi introduzido no país pela lei que criou a Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981, como forma de garantir a preservação dos recursos naturais e da qualidade de vida da população.
Este é um processo pelo qual são identificados os impactos causados pelos diversos tipos de atividades, controlando suas consequências e, se necessário, exigindo redução dos danos e compensações. As discussões sobre os licenciamentos devem ter a participação do poder público (por meio de seus técnicos) e das empresas envolvidas, mas principalmente da sociedade civil. Isso evita que as pessoas, famílias e comunidades tradicionais sejam prejudicadas em função de interesses econômicos individuais.
Quais os tipos de licenciamento ambiental?
Existem hoje várias modalidades para licenciamento ambiental em Minas Gerais. Os critérios levam em conta a combinação do potencial poluidor, porte (tamanho e produção) e localização (o que existe neste território).
Avaliado tudo isso, os empreendimentos são nominados de classes que vão de 1 a 6. São esses números que definem o tipo de licenciamento e que instituição ambiental será responsável por conduzir o processo de possível obtenção de licenças para operar.
Empreendimentos considerados como causadores de baixo impacto ambiental, que estejam fora de áreas protegidas (como unidades de conservação, áreas de preservação permanente – APPs), comumente, são classificadas no estado como sendo 1, 2, 3 ou 4 e podem ser optante pelo Licenciamento Ambiental Simplificado (LAS), processo esse realizado em uma só etapa.
Já aquelas de grande vulto (hidrelétricas, barragens de resíduos e instalação de usinas), ou em áreas protegidas, são classificadas como 5 e 6. Para eles são exigidos os chamados Estudos de Impacto Ambiental (EIA). É a partir destes documentos, juntamente com vistorias ao possível local do empreendimento e eventuais pedidos de esclarecimentos, que os órgãos técnicos autorizam ou negam as licenças ambientais.
Para esses empreendimentos de classes 5 e 6, o licenciamento ambiental não pode ser simplificado. Ele deve ter três etapas, podendo todo o processo se alongar por anos, dependendo da complexidade. A primeira delas é a Licença Prévia (LP), concedida na fase de planejamento e atesta a viabilidade ambiental do empreendimento. Caso esta viabilidade não for verificada, o processo se encerra, caso contrário, avança para obtenção das Licenças de Instalação (LI), que autoriza a instalação do empreendimento e a Licença de Operação (LO), quando se pode dar início às atividades previstas.
Quem concede uma licença ambiental?
#Monitore
A responsabilidade pela concessão da licença fica sempre a cargo dos órgãos ambientais vinculados ao poder executivo, que podem ser municipais, estaduais ou federal, a depender do tamanho e dos possíveis impactos que a atividade causará.
Em Minas Gerais , o conjunto de órgãos que compõem o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) é o responsável por estabelecer critérios e fiscalizar o licenciamento ambiental. Na maioria dos processos de concessão, as empresas são obrigadas a cumprir “condicionantes”, ou seja, medidas ditadas por estes órgãos e que devem ser executadas antes de iniciar ou dar continuidade a um empreendimento. Muitos aspectos devem ser levados em conta como a interação com questões ligadas à preservação do patrimônio histórico, espeleologia, arqueologia, gestão do uso do solo, planejamento urbano e respeito às populações tradicionais.
A população tem direito de opinar sobre o licenciamento?
Em tese, sim. Tanto no âmbito municipal quanto estadual, existem os Conselhos de Política Ambiental. Eles são formados por representantes do poder público e da sociedade civil organizada. Todos com direito a voto.
Porém, por um processo de aparelhamamento, as câmaras decisórias desses conselhos hoje são majoritariamente compostos de acordo com o interesse dos próprios empreendedores (nas próximas reportagens da série “O caminho do licenciamento ambiental” falaremos mais sobre o tema).
No caso do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) de Minas Gerais, os pedidos de licenciamento são distribuídos por sete câmaras temáticas, as chamadas Câmaras Técnicas Especializadas. Nelas se discute a implantação dos projetos apresentados e vota-se, contra ou a favor, da concessão da licença. Suas reuniões são mensais e abertas ao público.
Assista e compartilhe
Para explicar ainda mais sobre a importância da população acompanhar os processo de licenciamento, o Lei.A gravou com o professor Rodrigo Lemos, doutor em geografia e análise ambiental, professor CEFET MG e conselheiro na Câmara Técnica de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam).
Acompanhe e compartilhe:
Conheça alguns documentos importantes que você deve buscar logo que um empreendimento chegar em sua cidade ou região
Termo de Referência
É o primeiro documento a ser buscado. Nele, você pode conhecer as orientações do órgão ambiental ao empreendedor para a realização dos estudos técnicos ambientais. Você pode solicitá-lo tão logo ouça os rumores sobre a instalação de um empreendimento.
Registros fotográficos e escritos feitos pela comunidade podem ajudar a complementar o Termo de Referência, desde que isso seja feito mediante o pedido de audiência pública, antes do início dos estudos ambientais. Esse documento é importante porque ele servirá de base para o julgamento da viabilidade ambiental do empreendimento.
Formulário de Caracterização do Empreendimento (FEC)
Também pode ser solicitado aos órgãos ambientais (como a Superintendência Central de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável – Supram) logo que você ouvir falar do empreendimento. Ele é um documento preenchido pelo empreendedor antes do início das atividades que reunirá informações que determinarão em que classificação a atividade será colocada (as classes de 1 a 6), o que será determinante para tipo de licenciamento executado.
Formulário Integrado de Orientação Básica (FOBI)
É um documento onde é detalhado aquilo que deve ser apresentado pelo empreendedor ao órgão ambiental, assim como todos os procedimentos que realizará. Conhecê-lo é uma forma de fiscalizar se o empreendimento cumpre o que declarou.
EIA – RIMA
Estudos de Impacto Ambiental (EIAs) são a base dos grandes processos de licenciamento. São feito por consultorias contratadas pelo empreendimento para convencer o órgãos ambientais a conceder as licenças.
Os RIMAS são uma espécie de resumo dos EIAs, geralmente possuindo linguagem mais acessível. Por esses documentos geralmente é possível, para quem conhece a região, encontrar falhas e inconsistências no empreendimento. Porém, a despeito da importância da população conhecer a possíveis consequências de empreendimento que afetará sua vida, a divulgação de EIAs antes da aprovação do empreendimento é vetada por uma resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente, de 1986.
Saiba como participar de um processo de licenciamento ambiental
#Aja
Qualquer pessoa, comunidades ou grupos organizados, afetados ou não por um grande empreendimento, tem o direito de defender o meio ambiente, direito esse assegurado pela Constituição Federal. O artigo 225 estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”
Conhecer, monitorar e agir no licenciamento ambiental é uma forma importante de defesa do meio ambiente e da qualidade de vida das populações. Porém, existem momentos e locais estratégicos para interferir neste processo.
O Lei.A, fundamentado por uma cartilha preparada pelo Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (Gesta) (link), da UFMG, listou algumas dicas sobre o tema.
Outras dicas para participar do licenciamento
– As decisões sobre os pedidos de licenciamento são publicados no Diário da Imprensa Oficial de Minas Gerais (link) e devem estar também nos meios de comunicação do órgão ambiental competente. É importante acompanhar tais canais de comunicação. O Lei.A tem procurado acompanhar esses processos e trazer informações sobre grandes empreendimentos e seus processos de licenciamento ambiental.
– Se organizar para realizar atos públicos, passeatas, solicitar audiências públicas, abaixo-assinados, acionar imprensa e redes sociais estratégicas. Bem como enviar e-mails a gestores públicos e autoridades demandando reuniões e esclarecimentos e, quando necessário, solicitar audiências públicas nas câmaras municipais e na Assembleia Legislativa.
– A identificação de quem será atingido é um dos principais embates que envolve o licenciamento de grandes empreendimentos. É possível a população questionar as definições dadas pela empresa, sobre quem são as pessoas e comunidades, diretamente, indiretamente ou mesmo emergencialmente, afetadas pela atividade. Nesse momento, serão importantes informações produzidas pela própria comunidade (mapas, fotos, vídeos, documentos, etc.). Novamente a dica: use o seu telefone celular!
– Se você for um atingido, não tenha pressa para tomar decisões ao negociar com o empreendedor ou com empresas contratadas por ele. Você não é obrigado a assinar documentos sem tempo para uma leitura atenta. É seu direito ficar com o documento para ler junto familiares ou parceiros que possam te assessorar. Sempre que assinar algo, fique com uma cópia.
– Em caso de graves e iminente risco para vidas humanas ou para o meio ambiente, enviar aos órgãos ambientais e ao Ministério Público, denúncias e solicitação de providências para suspensão do empreendimento. Sempre que possível, faça o registro escrito e fotográfico de problemas que podem ser consequência de atividades causadoras de impacto sobre o meio ambiente, tais como: morte de peixes, explosões, destruição de vegetação, interdição de estradas, e etc.
Quem mais pode te ajudar?
Emergência Ambiental do Sistema Estadual do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema-MG) |
Tels: 31 99822-3947; 31 998253947; 31 3915-1237 (em caso de rompimento de barragens; explosões; vazamentos ou derramamentos de produtos perigosos, mortes de peixes em rios e lagos)
Defensoria Pública Estadual |
Rua Guajajaras, 1007, Belo Horizonte. Tel: 3526-0500
Defensoria Pública da União |
Possui escritórios em Belo Horizonte, Governador Valadares, Juiz de Fora, Montes Claros e Uberlândia). Tels: (31) 3069-6300; (31) 97588-0007 (Somente autuação de urgência). http://www.dpu.def.br/endereco-minas-gerais
Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular |
Atua prestando atendimento e consultoria jurídica. Rua Diamantina 488, Bairro Lagoinha, Belo Horizonte: 31 3889-2013
Assessoria Popular Maria Felipa |
Rua Brasópolis, 210, Bairro Floresta, Belo Horizonte. Tel: 3657-9675
Ouvidoria Geral do Ministério Público Estadual de Minas Gerais |
Tel: 127 (ligação gratuita) ou 31 33308409 / 31 33309504
Ouvidoria Geral do Estado
Tel: 162
Próxima reportagem
Na próxima reportagem da série “O caminho do licenciamento ambiental”, o Lei.A vai abordar as licenças ambientais da mineração em Minas Gerais. Como são e por quem são concedidas? Tentaremos apontar algumas prováveis causas por trás dos acidentes que vêm acontecendo, mesmo com todo o procedimento adotado no trâmite do processo de licenciamento ambiental.
5 Comments
Obrigada pelas informações.
Ter em mãos informações claras e precisas sobre Licenciamento Ambiental é um instrumento de defesa para nós, cidadãos brasileiros/mineiros que vivemos com uma Barragem de Rejeitos sobre nossas comunidades.
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