Capital mineira conta com 172 bens protegidos e uma cena cultural ampla que mostram a diversidade de lugares, povos e tradições que forma a alma da cidade
Neste domingo (12/12/2021), Belo Horizonte completa 124 anos. Na época de sua construção, a altitude, o clima, a abundância de águas e a ondulada serrania ao redor ofereciam condições ideais para se planejar uma nova capital. Como já mostramos em outros conteúdos do Lei.A, BH foi pensada, desde o primeiro risco no papel, para se contrapor às “insalubres e decadentes cidades do tempo imperial”, como diziam as autoridades defensoras da mudança da capital de Ouro Preto para o então Curral Del Rei.
A passagem do tempo deixou marcas. Como cidade projetada, construções, avenidas e parques contribuíram para fazer com que o município chegasse ao que é hoje, tendo em sua paisagem os registros dos erros e acertos que a história da cidade carrega. Pessoas, costumes, culinária e as artes também acolhem símbolos importantes para quem quer entender o universo belorizontino de uma forma profunda.
Pensando nisso, nós, do Lei.A, listamos uma série de elementos considerados patrimônios da cidade, tombados e registrados em nível federal, estadual ou municipal, após serem reconhecidos como pontos relevantes para conversar a memória da capital. Olhar atentamente para eles é um convite à celebração. Uma forma de honrar o que compõe a trajetória de Belô, BH, Belzonte, Ovorizonte ou seja da forma carinhosa que você preferir chamar essa senhora aniversariante do dia.

#conheça
Para relembrar, Belo Horizonte foi construída em cima do velho Curral Del Rei. Cerca de três mil moradores tiveram de emigrar para dar lugar ao novo. Na ocasião, a comissão responsável pelas obras optou por não conservar nem mesmo parte das construções originais, o que poderia ser aproveitado como um centro histórico. Não sobrou nada do núcleo central. O antigo Curral, teve, então, sua memória apagada.
No dia 12 de dezembro de 1897, a nova capital mineira (que chegou a se chamar Minas Gerais e depois Belo Horizonte) foi entregue em solenidade pública poucos antes do final do prazo, embora ainda cheia de mato e com canteiros de obras inacabadas. Em meio a elas, estavam centenas de córregos, riachos e rios. No seu belo horizonte, uma esplêndida cadeia de morros. Por todos os seus cantos, matas densas e ao cair da tarde, o soprar de um vento ameno e constante.
O tempo cuidou de fazer a cidade crescer, muitas vezes de forma desordenada, para além da Avenida do Contorno – perímetro inicialmente usado para delimitar a cidade planejada. Enquanto era esperada uma população de 30.000 habitantes na época da inauguração, e prevista para o século XXI em torno de 200.000 moradores, a capital conta, hoje, com mais de 2,5 milhões de habitantes.
Nestes 124 anos, lugares como o Parque Municipal, a Avenida Afonso Pena, o Palácio do Governo e a Praça da Estação foram construídos, acompanhando a evolução da cidade. Todos estes são considerados patrimônios de Belo Horizonte, por sua relevância histórica e cultural.

Pensando nas centenas de bens tombados como patrimônio e registrados por sua relevância histórica, nós, do Lei.A, montamos um roteiro com dez elementos da cidade que ajudam a construir a narrativa de sua existência. Com ele, você pode passear pela cidade de um jeito diferente, reparando em suas marcas, seus sabores, suas construções históricas e seus espaços comuns – de fé e coletividade.

Cantina do Lucas | Inaugurada há 60 anos, a cantina é um dos símbolos de um outro velho conhecido dos belorizontinos: o Edifício Maletta. O espaço, durante todo esse tempo, foi e é frequentado por grandes personalidades, que buscam ali uma tradicional gastronomia, com tempero simples e certeiro. A comida até hoje se mantém fiel às origens, preservando o sabor tradicional e qualidade inquestionável (quem visitar, pode experimentar o Filé Surprise, a Parmegiana e o Peixe ao Comodoro sem medo). Durante o período da ditadura, a cantina era usada como ponto de encontro da resistência. No local, importantes decisões foram tomadas, além de profundas discussões sobre música, cinema, arquitetura, literatura e existencialismo. A Cantina foi tombada como Patrimônio Histórico e Cultural em 1997 e segue enchendo as mesas diariamente por gente de todas as idades, colecionando histórias e perpetuando no tempo.
Comunidade Manzo Ngunzo Kaiango | Fundada em 1970 por uma mulher negra conhecida por Mãe Efigênia. Nessa época, ela comprou uma terra no local com o objetivo de criar não só sua família, mas também um terreiro. O grupo se autodefine como quilombola e sustenta práticas sociais e culturais específicas, fundamentadas, principalmente, na religiosidade de matriz africana, que é compartilhada entre seus membros. Também desenvolve atividades e práticas sociais como aulas de capoeira, dança, samba de roda, dança-afro e percussão. A Comunidade possui sua identidade e território indissociáveis, e o terreiro é percebido e experimentado como o centro vital do grupo. Conforma uma cultura diferenciada e uma organização social própria, que constituem patrimônio cultural afro-brasileiro. Por esses motivos, em outubro de 2018, a Comunidade Quilombola Manzo Ngunzo Kaiango foi registrada como Patrimônio Cultural do estado de Minas Gerais, na categoria de lugares.

Foto: Fred Magno
Conjunto Sulacap e Sulamérica | Projetado pelo arquiteto italiano Roberto Capello, em 1941, o conjunto de edificações modernistas é um ícone da capital mineira e se misturam com facilidade à paisagem do cotidiano. Cada torre tem 15 andares. O Sulamérica, inaugurado primeiro, era misto, com apartamentos e lojas. Já o Sulacap, sempre foi só comercial. Estrategicamente posicionadas, as torres se harmonizam com o entorno. O prédio é um dos poucos que passou a ocupar um quarteirão inteiro, sem se sobrepor à paisagem local. Em 2015, a Prefeitura de Belo Horizonte tombou o conjunto, que segue se reinventando no centro como um lugar plural.

Viaduto Santa Tereza | A estrutura veio para substituir uma passarela de metal que dava passagem sobre o Ribeirão Arrudas, ainda descoberto. Entretanto, durante as chuvas o ribeirão transbordava, tornando esta travessia intransponível. O viaduto é um marco na memória de quem vive em Belo Horizonte. Inaugurado em 1929, foi construído devido à expansão da cidade, para ligar o centro aos bairros de Santa Tereza e Floresta. Com 400 metros de extensão, ele se destaca por causa dos arcos com 14 metros de altura. A estrutura fez sucesso na época por ser o maior vão de cimento armado da América do Sul. Na década de 1990, ele foi tombado como Patrimônio Cultural e passou a fazer parte do conjunto arquitetônico da Praça da Estação, tornando-se palco de manifestações culturais que acontecem até hoje e conferem ainda mais expressividade à construção.
Espaço Comum Luiz Estrela | Tombado pela Prefeitura de Belo Horizonte, o casarão localizado na Rua Manaus é uma construção de 1914 e foi executada por meio de investimentos do Governo do Estado. Durante décadas, funcionou como Hospital da Força Pública de Minas Gerais. Ao longo de seus mais de 100 anos, o espaço foi usado de formas diversas, mas chegou ao ponto de total abandono no final do último século. Em 2013, por meio de ampla mobilização da sociedade civil, foi conquistada a cessão de uso do espaço pelos cidadãos de Belo Horizonte. Foi convertido em um centro livre de formação educacional e artística, aberto e autogestionado. Desde então, diversas atividades têm sido realizadas com o objetivo de salvar o imóvel tombado da total deterioração.

Terreiro de Candomblé Ilê Wopo Olojukan | Primeiro Terreiro de Candomblé da capital mineira, fundado em 1964 pelo baiano Carlos Ribeiro da Silva, o Ilê Wopo Olojukan, é da tradição Yorubá (Ketu). É exemplo concreto da contribuição das culturas africanas para a conformação da identidade brasileira. O nome, em língua yorubá, evidencia esta ligação da casa com a sua tradição e sua devoção ao Orixá: Ilê (casa); Wopo (trono) e Olojukan (olo – senhor, dono; oju – olhos; okan – coração). Em tradução livre, a “Casa do Trono de Odé, Aquele que Vê com os Olhos do Coração”. De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte, em sua trajetória, este Ilê passou por vários endereços da região noroeste de Belo Horizonte, tais como os bairros Ipiranga e Gorduras, finalmente se instalando no bairro Aarão Reis, onde se encontra até hoje. Reconhecido como Patrimônio Cultural do Município em 1995, o bem cultural localizado à Rua Doutor Benedito Xavier, 2.030, foi caracterizado, por meio de pesquisa histórica, sociocultural e registro fotográfico, como a mais antiga comunidade-terreiro do município.

Cine Belas Artes | O espaço está localizado no bairro de Lourdes, na região sul de Belo Horizonte, bem perto da Praça da Liberdade. Um dos únicos cinemas de rua da cidade, ele ainda abriga o Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Belo Horizonte e uma simpática livraria. É um lugar conhecido por ser um tradicional reduto de cinema da capital mineira, oferecendo uma refinada programação que dá relevância a produções independentes, nacionais, buscando apresentar bastante diversidade cultural nas telas, muitas vezes levando aos espectadores filmes que estão fora do circuito comercial. O edifício foi projetado pelo arquiteto Sylvio de Vasconcellos. Construído em 1953, em estilo moderno, e tombado em 2012 em nível municipal.
Pico Belo Horizonte | Localizado a 1.390 metros do nível do mar, sendo o segundo lugar mais alto de Belo Horizonte, o pico faz parte da Serra do Curral, na região do Parque Estadual da Baleia. Tombado pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o pico abriga uma das vistas mais impactantes da cidade: de um lado, um amplo e belo horizonte. Já do outro, as marcas profundas da mineração que segue fazendo seus recortes na paisagem.

Presépio do Pipiripau | O Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) abriga esse importante elemento da arte popular mineira. Criado ao longo do século XX, pelo artesão Raimundo Machado, sincroniza 586 figuras móveis, distribuídas por 45 cenas, que contam a história da vida e da morte de Jesus Cristo, costurada ao cotidiano de uma cidade, com sua variedade de artes e ofícios. O presépio foi iniciado em 1906, quando Raimundo, então com 12 anos, colocou a imagem do Menino Jesus em uma caixinha de sapatos forrada de musgos e cabelos de milho. Ao longo do tempo, o artista foi acrescentando personagens e novas cenas, dando ao presépio vida e movimento, lançando mão dos recursos tecnológicos de que dispunha. O Pipiripau foi doado à UFMG em 1976 e tombado pelo patrimônio histórico nacional em 1984.

Monumento a Iemanjá | A obra de arte foi feita pelo artista em mármore sintético José Synfronini e inaugurada em 1982. O primeiro lugar que ela ocupou foi a beira da Lagoa da Pampulha, em uma espécie de deck. Em 1988, a escultura foi substituída por uma feita em bronze, material mais resistente. Já em 2003, optou-se pela fixação da escultura no espelho d’água, distante cerca de 10 metros da beira da Lagoa. O monumento é um elemento simbólico para grupos devotos das práticas de matriz africana, sendo ponto de encontro para celebrações e manifestações durante todo o ano, especialmente em agosto, quando se comemora a Festa de Iemanjá. Na ocasião, representantes de diversos terreiros da cidade ocupam o espaço para realizarem seus rituais. A festa foi registrada como patrimônio de Belo Horizonte.

#monitore
Vivendo a cidade!
Conhecer Belo Horizonte de verdade leva tempo. São muitas possibilidades de lazer, diversidade de culturas e paisagens. E não existe nada mais eficiente para isso do que ocupar as ruas, observando o que nelas acontece. Pensando nisso, a Fundação Municipal de Cultura elaborou uma plataforma livre, gratuita e colaborativa com informações sobre o cenário cultural da cidade. A plataforma é alimentada com informações sobre os espaços culturais, programações oficiais, projetos e editais. Os próprios artistas e produtores culturais podem cadastrar seus trabalhos e programações.
O mapa também é sincronizado com o Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), da Secretaria Nacional de Cultura. Por conta disso, está disponível a visualização das informações culturais em âmbito nacional. Por meio dele, você pode saber mais sobre shows, musicais, espetáculos de teatro e dança, cinema, festas, saraus e manifestações tradicionais e populares, por exemplo. Confira:

Você também pode saber mais sobre os bens tombados na cidade por meio de uma outra plataforma pensada só para isso. É o Guia do Bem, uma plataforma digital que engloba pesquisa, organização e apresentação de todos os bens arquitetônicos do município de Belo Horizonte tombados nas instâncias municipal, estadual e federal até agosto de 2015:


#aja
Proteger o patrimônio de Belo Horizonte é uma bela declaração de amor ao município. As dicas para que você comece a fazer isso estão abaixo:
- Acesse as redes sociais | Acesse as redes sociais e sites do Iepha-MG (http://www.iepha.mg.gov.br / @iepha_mg) e do Iphan (http://portal.iphan.gov.br / @iphangovbr), procure os dados, dê opiniões e sugestões sobre a atuação desses órgãos.
- Informe-se | Procure a Secretaria de Cultura de Belo Horizonte e se informe sobre a existência de políticas públicas municipais de proteção do patrimônio cultural. Saiba também quando ocorrem as reuniões dos Conselhos e quais bens culturais são protegidos pelo seu município. Na plataforma do Lei.A (www.leia.org.br), você encontra os bens protegidos em todo o estado de Minas Gerais.
- Acompanhe | Diversos projetos de lei estão em tramitação para favorecer ou não a proteção dos patrimônios da capital mineira. Acesse por aqui e fique de olho!
- Ajude | Compareça e participe das manifestações culturais, consuma produtos e contrate serviços de modos de fazer e ofícios tradicionais da capital mineira.
- Denuncie | Acione o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a Polícia Militar e a Secretaria Municipal de Cultura caso veja danos ao patrimônio cultural