Símbolo de Belo Horizonte criado para ser fonte de água para o consumo humano vive calvário de promessas políticas e degradação constante
Lagoa é formada pelas águas de 507 nascentes; PBH admite que nada vem sendo feito para preservá-las
Você consegue se imaginar bebendo a água da Lagoa da Pampulha? Pois quando ela foi pensada e teve suas obras iniciadas, na década de 1930, era exatamente esse um dos seus objetivos. Quando foi inaugurada, em 1943, esse era um dos seus fins. Hoje, perto de completar 90 anos do seu início, um dos mais belos símbolos de Belo Horizonte tornou-se o maior reservatório de toxinas, esgoto e sedimentos dentro do limite da capital mineira.
Para piorar, Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) e Governo do Estado de Minas Gerais admitem que quase nada é feito para reverter definitivamente essa situação, mesmo correndo o risco de consequências internacionais para a capital mineira.
A Lagoa da Pampulha e sua orla, formam o Complexo Arquitetônico da Pampulha que, em 2016, recebeu da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), o título de Patrimônio Cultural da Humanidade e de Paisagem Cultural do Patrimônio Moderno. Como contrapartida, a PBH teria três anos (ou seja, até daqui 50 dias) para fazer as adequações impostas pela Unesco, o que inclui despoluir a lagoa.
A Lagoa da Pampulha e as 507 nascentes que a abastecem são mais um triste retrato do colapso hídrico que nós do Lei.A estamos tratando nessa série especial, “As águas de Belo Horizonte”.
Desde 22 de outubro, já publicamos oito conteúdos:
Metade do mundo vive sob racionamento de água: BH entrará para essa estatística?
Mar de lama e pouca chuva: a água de BH agoniza
BH sem água: da riqueza à escassez
O coração das águas de BH está cansado
Rio Paraopeba: o manancial que virou lama
Lei.A indica: 15 filmes e séries sobre a questão da água
Sinclinal Moeda: o coração da água da Gande BH que você precisa conhecer
Assembleia Legislativa segue omissa diante do risco de racionamento em BH
#conheça
Agora, nesse nono conteúdo da série, vamos trazer informações oficiais e históricas não só sobre o cartão postal, mas sobre a Bacia Hidrográfica da Pampulha, pois, afinal de contas, a lagoa não é apenas um reservatório, ela é o represamento de 44 cursos d`água.
Cerca de 460.000 mil pessoas vivem sobre essa bacia, que depois de passar pela lagoa, segue seu curso até desaguar no Rio das Velhas, no município de Santa Luzia, uma das duas grandes bacias que abastecem de água a Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Fonte: http://www.cartografia.org.br/
Em 40 anos, de bebedouro de água a lagoa gigante de toxinas
Quando foi pensada a construção da Lagoa da Pampulha (um reservatório artificial), tinha-se o objetivo de ampliar o abastecimento de água da região norte da cidade de Belo Horizonte, amortecer enchentes e transformar seu entorno em um pólo de desenvolvimento turístico e lazer para a população.
Com o passar do tempo, a partir dos anos de 1980, a bacia tornou-se bastante poluída e a lagoa deixou de ser utilizada para lazer e abastecimento humano. A perda da qualidade da água ocorreu devido a fatores que envolvem o adensamento urbano, a retirada de cobertura natural à montante da lagoa, disposição inadequada de resíduos sólidos e carência de infraestrutura de saneamento.
O grande volume de esgoto e lixo despejados em seus afluentes, além do assoreamento, têm sido problemas de difícil solução. É sobre a qualidade dessa água que o Lei.A falará nessa matéria.
Quem abastece a Lagoa da Pampulha
Cerca de 70% da água da Lagoa da Pampulha vem da retenção dos córregos Sarandi e Ressaca. O restante vem dos córregos Mergulhão, Tijuco, Água Funda, Braúna, Olhos D’água e AABB e de chuvas. Em todos eles a água encontra-se poluída, por fatores como esgoto e lixo urbano. Por causa disso, atualmente não existe captação da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) na bacia.

Fonte: Terra Viva, Catálogo de Nascentes, 2015.
De onde vem a poluição da bacia?
Os córregos que mais poluem a lagoa são o Sarandi, que vem do município de Contagem e seus afluentes Cabral e Petrobras, todos carregados de coliformes fecais, fósforo, manganês, zinco e outros poluentes. O Córrego da Ressaca é outro contribuinte poluidor. Estima-se que ainda hoje, o esgoto de aproximadamente 20.000 famílias seja jogado diretamente nos córregos da bacia sem qualquer tratamento.
Os resultados de análises da qualidade água da Lagoa da Pampulha feitas em outubro de 2019 pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM) mostram elevada presença de cianobactérias em todos os pontos monitorados.
“Dentre os principais fatores de pressão que contribuem para as densidades de cianobactérias registradas nessa região destacam-se o aporte de nutrientes para a Lagoa da Pampulha proveniente principalmente dos esgotos sanitários dos municípios de Belo Horizonte e Contagem e o lançamento de efluentes de indústrias dos ramos têxtil, de papel e papelão e alimentícia presentes na região”, destaca o IGAM.
Veja os resultados das análises feitas no boletim divulgado pelo IGAM: https://docdro.id/NQ3YJbm
O engenheiro florestal e conselheiro do Subcomitê da Bacia Hidrográfica do Onça (que abrange a Bacia da Pampulha), Edinilson dos Santos, afirma que atualmente os principais problemas que envolvem a bacia são os resíduos – que incluem a terra que assoreia a lagoa e o lixo – e o esgoto. Porém, ele diz que a situação melhorou desde o início do Programa de Recuperação e Desenvolvimento Ambiental da Bacia da Pampulha (PROPAM) no ano 2000. Este é um programa intermunicipal executado por representantes da sociedade civil e das prefeituras de Belo Horizonte e Contagem, juntamente com a Assembleia Legislativa de Minas Gerais, com o objetivo de recuperar e preservar a Bacia da Pampulha.
“Na época (de criação do Propam), foi feito um diagnóstico que apontou que se nada fosse feito, o assoreamento acabaria com a Lagoa da Pampulha até o ano de 2020, o que já é ano que vem. A lagoa ainda sofre com uma série de problemas crescentes em virtude do aumento da população, mas a situação já foi pior. Há 20 anos entrava 300 m3 de sedimento para dentro da lagoa, hoje entram 100 m3. É muito problema ainda, mas o Propam alcançou alguns dos objetivos”, relata Santos.
Providências
Após, os resultados das análises da qualidade da água realizadas em outubro, o IGAM notificou a Prefeitura de Belo Horizonte e a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, além do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais. A preocupação, em virtude da ocorrência de toxinas provenientes da cianobactérias, leva em conta os riscos à saúde humana da população, bem como dos funcionários que mantém contato direto com a água da Lagoa da Pampulha durante as atividades de manutenção e limpeza e também dos funcionários do Corpo de Bombeiros que realizam ações de resgate e salvamento na Lagoa.
Informações sobre a qualidade da água da Pampulha e de outras regiões podem ser encontradas no portal Infohidro (link)

Fonte: BOLETIM TRIMESTRAL DA DENSIDADE DE CIANOBACTÉRIAS NA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIBEIRÃO PAMPULHA – IGAM
#monitore
Preservação de nascentes: PBH diz que “sim”, depois diz que “não”
Em 2015, a ONG Terra Viva, com apoio financeiro do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, catalogou, fotografou e georreferenciou as 507 nascentes da Bacia Hidrográfica da Lagoa da Pampulha. Desse total, 53% estão no município de Belo Horizonte. Na ocasião, a Prefeitura de Belo Horizonte afirmou que começaria o processo de recuperação dessas nascentes, utilizando o recurso do Fundo de Defesa Ambiental de Belo Horizonte.
Nós do Observatório Lei.A questionamos a PBH: Quais valores do Fundo Ambiental foram destinados à recuperação e conservação das nascentes da Pampulha, desde de 2016? E, ainda, se ela tem feito algum programa para tal salvaguarda. Assim ela respondeu (grifo feito pelo Lei.A):
Durante o período de 2017 a 2019, os recursos do Fundo Municipal de Defesa Ambiental estão sendo utilizados para a consecução de diversos projetos ambientais na cidade de Belo Horizonte. Os projetos em questão são aqueles aprovados pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM) e executados pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) e aqueles selecionados em Chamamento Público e executados pela sociedade civil (pessoas físicas e OSC’S). No momento, não há projetos direcionados para a recuperação das nascentes da Bacia da Pampulha, por uma questão técnica: a maior parte dessas nascentes encontram-se em propriedades privadas, colocando em dúvida se poderia haver destinação de recursos públicos para essas áreas. Já as nascentes existentes em parques estão sobre a tutela da Fundação de Parques e Zoobotânica cabendo a ela sua preservação.
A especulação imobiliária e o esgoto de Contagem
Como vimos, 47% das nascentes que alimentam a Lagoa da Pampulha estão no município de Contagem. É exatamente delas que vem as maiores fontes de poluição. Nos últimos anos, a Copasa conseguiu aumentar a coleta e tratamento no município, que hoje está em cerca 95%.
Porém, outro problema vem crescendo do lado não belorizontino da bacia. Como mostramos em matéria anterior (link), no ano de 2017, a Câmara Municipal de Contagem aprovou uma lei que alterou o Plano Diretor da cidade. E agora, como um desdobramento desse plano, o Legislativo local está prestes a votar uma mudança na Lei de Uso e Ocupação do Solo, que pode colocar em risco o reservatório de Vargem das Flores, mas também nascentes e afluentes que abastecem a bacia da Pampulha.
Se aprovada a lei, as regras de uso e ocupação onde estão muitas dessas nascentes serão modificadas. Por exemplo, permitirá que áreas que hoje devem ser preservadas, como o Alto Bom Jesus, único local dentro da Bacia da Pampulha com cobertura vegetal expressiva, tornem-se áreas de expansão urbana. Isso possibilitará a instalação de empreendimentos imobiliários e industriais que prejudicam as áreas de recarga da bacia.
Sobre o tema, o Coletivo Pró-Associação de Defesa do Meio Ambiente da Região do Nacional, movimento organizado da sociedade civil do Município de Contagem, registrou uma carta-denúncia no Ministério Público de Minas Gerais solicitando a paralisação do processo de aprovação da lei. A carta afirma que na região do bairro Nacional, em Contagem, a especulação imobiliária já avança sobre as áreas verdes por meio de pelo menos quatro grandes empreendimentos, que afetam a sub-bacia do córrego Bom Jesus.
#Aja
Você vai esperar o racionamento?
Como estamos mostrando ao longo dessa série, o colapso hídrico de Belo Horizonte e sua região metropolitana é real. O racionamento de água é iminente. Por outro lado, não se vê a população formando grandes grupos de pressão junto aos órgãos competentes e tampouco se unindo às instituições que historicamente lutam pela preservação dos mananciais, nossas fontes de vida.
Aja!
Se você faz parte do movimento ambiental, compartilhe a série especial do Lei.A, converse e mais do que isso: escute. Tente entender uma forma simples, didática e direta de introduzir o tema junto à família, aos colegas de trabalho ou ao ambiente escolar de seus filhos. Fale a língua do povo!
Se você se sensibilizou pelo tema e quer contribuir com quem luta por essa causa (que no fundo, é sua) participe e fortaleça entidades como os comitês de bacias hidrográficas. Mexa-se! Eles realizam diversas ações educativas e reuniões abertas. No caso da Bacia do Rio das Velhas, visite o site do CBH Velhas e veja como participar: http://cbhvelhas.org.br/
Seja vigilante! A situação diária do volume dos reservatórios da Região Metropolitana de BH pode ser consultada neste link
Se ainda está em dúvida se sua cidade faz parte desse problema, pesquise! Descubra no mapa a qual bacia hidrográfica a sua região pertence: link
Mesmo que não seja afetado diretamente pelas questões da Bacia do Rio das Velhas, crie um movimento na sua cidade! Utilize a plataforma do Lei.A e saiba onde são os locais de captação de água de seu município: link
No caso específico da Lagoa da Pampulha, denuncie o não cumprimento da meta de despoluição acordada pela Prefeitura de Belo Horizonte junto à Unesco: link
Lembre-se sempre: o direito humano ao acesso à água limpa e segura foi reconhecido por resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 2010.
Último conteúdo da série especial
O décimo e último conteúdo da série especial “As águas de Belo Horizonte” trará exemplos de iniciativas concretas para reduzir a poluição dos curso d’água e aquíferos e a mortandade de nascentes.
Acompanhe!