Projeto de lei que amplia uso, quantidade e tipos de agrotóxicos no país pode ir a votação na Câmara dos Deputados logo após o segundo turno das eleições
Agrotóxicos são substâncias químicas (venenos) utilizadas para matar insetos, fungos e plantas daninhas que ameaçam as plantações. No entanto, o uso desse tipo de veneno também pode gerar efeitos nocivos para o meio ambiente e para a saúde dos trabalhadores rurais, consumidores e da nossa própria família, pois ele chega aos nossos pratos, na água dos filtros e até mesmo no leite materno.
Hoje o Brasil é campeão mundial no uso de agrotóxico, responde por 20% de todo o consumo do planeta. Mesmo assim, parte do setor do agronegócio e políticos ligados a eles querem possibilitar mudanças nas leis para afrouxar as regras de aplicação, diminuir o controle ambiental e sanitário e ainda abrir a possibilidade de uso de tipos proibidos na Europa. Essa tentativa tem se concentrado num projeto de lei 6299/02, que está prestes a ser aprovado na Câmara dos Deputados, em Brasília.
O “PL do Veneno”, como ficou conhecido o polêmico projeto de lei é o tema desta segunda reportagem da nova série especial do Lei.A, “Caminhos do agrotóxico”. Nela, você vai conhecer quais os principais pontos desse projeto e com quais você concorda ou não.
Ao final da leitura, faça sua reflexão: você, sua família e seus amigos realmente sabem o perigo que estão correndo com a atual legislação do agrotóxico e com as mudanças propostas? Ou será que o agronegócio e os parlamentares estão querendo votar algo sem um conhecimento amplo da população?
Quem criou o PL do Veneno?
O projeto de lei 6299 tem origem na bancada de políticos do Congresso Nacional ligados ao agronegócio. Foi proposto em 2002 pelo então deputado federal pelo Mato Grosso e dono de um dos maiores conglomerados do setor no Brasil (Grupo Amaggi), Blairo Maggi (PP). Hoje, ele é ministro da Agricultura, tendo anunciado, recentemente, que deixará a política a partir de 2019.
Desde então, o projeto passou por todas as comissões da Câmara dos Deputados e já pode ser votado em plenário, por todos os deputados. Para que seja aprovado, é necessário o que se chama por lá de “maioria absoluta”, ou seja, 257 votos dos 513 possíveis.
Quem é contra?
– Ministério Público
– Mais de 280 organizações não governamentais
– Entidades ligadas à saúde e ao meio ambiente, incluindo órgãos governamentais como o Instituto Nacional do Câncer (INCA), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quem é a favor?
– A bancada ruralista
– Órgãos e associações ligadas à indústria química e ao agronegócio
– Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa)
O que muda com o PL do Veneno?
Facilitar a liberação dos agrotóxicos
Como é hoje – A legislação atual prevê que três ministérios (Saúde, Meio Ambiente e Agricultura) compartilhem a responsabilidade de decidir sobre a liberação ou não de novos agrotóxicos.
Na Saúde, a Anvisa avalia o impacto para a saúde humana.
No Meio Ambiente, o Ibama analisa os efeitos ambientais.
Na Agricultura, seu corpo técnico avalia o interesse agronômico.
Qualquer um dos três órgãos, ao detectar qualquer ameaça à saúde, ao meio ambiente ou à cadeia produtiva pode barrar um agrotóxico.
O que prevê o projeto de lei – A proposta centraliza o processo de registro de novos agrotóxicos no Ministério da Agricultura. A Anvisa e o Ibama ainda ficam encarregados pelas análises em saúde e meio ambiente, mas a decisão final cabe à pasta da Agricultura.
Quem é a favor diz… A centralização contribuirá para a redução da burocracia e uma maior rapidez na liberação de novas tecnologias de combate a pragas agrícolas.
Quem é contra diz… Retirar poder da Anvisa e do Ibama é uma manobra para que interesses econômicos do agronegócio prevaleçam sobre aspectos ambientais e de saúde.
Afrouxar a análise de risco
Como é hoje – São proibidos por lei agrotóxicos que, em estudos experimentais com animais, tenham apresentado características carcinogênicas (que podem provocar câncer), teratogênicas (que podem causar malformações em fetos), mutagênicas (que podem resultar em alterações no DNA) ou que possam levar a distúrbios hormonais. A análise se baseia em uma avaliação do grau de toxicidade das substâncias.
O que prevê o projeto de lei – Só seria proibido o registro de agrotóxicos que revelem características teratogênicas, carcinogênicas, mutagênicas, distúrbios hormonais, danos ao aparelho reprodutor em caso de risco inaceitável comprovado cientificamente.
Quem é contra diz… O fim da proibição a substâncias com alto grau de toxicidade abre uma brecha perigosa para mais casos de intoxicação humana e contaminação ambiental. Além disso, a ausência de critérios mais claros para a definição de “risco inaceitável” poderia servir para um controle bem menos rigoroso do uso de agrotóxicos.
Quem é a favor diz… A análise de risco moderniza a legislação, uma vez que permite o uso de mais tecnologia para conter os possíveis danos do agrotóxico à saúde e ao meio ambiente. Eles acrescentam que esse tipo de avaliação também aumentará a oferta de novos produtos para combater pragas que prejudicam a produção agrícola.
Criar licenças temporárias mesmo sem avaliação dos riscos
Como é hoje – Os órgãos federais devem realizar a avaliação técnico-científica para a liberação de novos agrotóxicos no prazo de 120 dias. Mas, na prática, o processo de análise pode levar entre cinco e oito anos.
O que prevê o projeto de lei – A liberação de novos agrotóxicos deve ser definida dentro de um prazo de 30 dias a dois anos, de acordo com o tipo de produto. Caso os cronogramas não sejam cumpridos, os fabricantes podem solicitar uma autorização temporária para comercializar seus produtos até que a análise seja concluída. Para isso, basta que esses agrotóxicos já tenham sido liberados em apenas três países dos 36 países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da qual o Brasil faz parte.
Quem é a favor diz… Essas medidas reduzirão a burocracia e a demora para a liberação de novos agrotóxicos. Com isso, dizem que os agricultores terão acesso mais rápido a tecnologias já usadas no exterior e não correrão mais o risco de ver esses produtos liberados apenas quando já estiverem obsoletos.
Quem é contra diz… Essas novas regras representam um grande risco, uma vez que autorizam o uso de agrotóxicos que ainda estão em análise. Isso daria “carta branca” para que as pessoas consumam alimentos com resíduos de agrotóxicos que sequer foram testados e que podem gerar doenças graves. Além disso, reclamam que o Brasil delegaria a outros países a responsabilidade pela liberação de agrotóxicos que serão usados em seu território e com impacto no bem estar de sua população.
Mudar o nome de agrotóxicos para pesticidas
Como é hoje – A legislação atual se refere aos produtos químicos usados no combate a pragas na agricultura como “agrotóxicos”.
O que prevê o projeto de lei – Substitui o termo “agrotóxico” por “pesticida”. O texto originalmente proposto com o apoio da bancada ruralista usava ainda uma outra denominação: “produto fitossanitário”.
Quem é contra diz.. A substituição do termo é uma artimanha para tentar omitir a relação entre a toxicidade desses produtos e os riscos deles para a saúde das pessoas e o meio ambiente. Manter o termo “tóxico” no nome é uma forma de alertar as pessoas sobre os riscos em relação ao uso deste tipo de veneno.
Quem é a favor diz… A decisão de mudar o termo que designa os agrotóxicos se baseia na avaliação de que se trata de uma definição depreciativa, que só é utilizada no Brasil. A mudança também adequaria o termo brasileiro à forma mais comum na nomenclatura internacional.
Acabar com a participação de estados e municípios na regulação dos agrotóxicos
Como é hoje – O governo federal tem competência para atuar criando regras e fiscalizando seu cumprimento, mas os estados e municípios também têm poderes para criar regras próprias.
O que prevê o projeto de lei – Os poderes dos estados e municípios serão diminuídos, havendo centralização de poder no governo federal. Isso impedirá que estados criem regras próprias no tema dos agrotóxicos. Os estados e municípios só poderão criar leis de forma supletiva, ou seja, quando não houver uma lei específica feita pela União.
Quem é contra diz… Com essa medida os estados não poderão, por exemplo, criar regras mais restritivas sobre os agrotóxicos para proteger a população e o meio ambiente local. Assim, as empresas de agrotóxicos e os grandes produtores do agronegócio terão ainda maior facilidade para usar sua influência, pois, historicamente, é nos estados que ocorrem os maiores avanços na restrição aos agrotóxicos e são as administrações municipais são as esferas de poder onde mais facilmente a população pode cobrar.
Quem é a favor diz… A mudança dará aos empreendedores maior previsibilidade e segurança jurídica.
Monitore: como posso saber mais?
Para ler a íntegra do projeto de lei, clique aqui.
Para ler todas as notas técnicas já divulgadas contra a proposta, clique aqui
Para ler o que o Lei.A já publicou sobre o risco dos agrotóxicos para o meio ambiente e a saúde humana, clique aqui.
Aja: o que posso fazer?
Tomando conhecimento sobre a polêmica dos agrotóxicos no Brasil e passando a monitorar o trâmite do PL do Veneno, você pode passar a agir de alguma forma para defender o seu ponto de vista sobre a questão. Aqui, nós do Lei.A deixamos algumas sugestões.
Integre grupos e coletivos que já estão na luta contra o PL do Veneno | Em Minas Gerais, uma das melhores opções é o Fórum Mineiro de Combate aos Agrotóxicos, que reúne entidades da sociedade civil, do governo e das universidades.
Para entrar em contato com o Fórum Mineiro, é só enviar uma mensagem para forum.mg.de.combate.aos.agrotoxicos@gmail.com.
Nacionalmente, o principal grupo articulado hoje contra o PL do Veneno é a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, que reúne mais de cem entidades. Para consultar se alguma delas fica perto de você, é só clicar aqui.
Conscientize amigos, parentes e conhecidos | Neste caso, uma boa opção é começar informando sobre a existência deste projeto de lei e sobre os riscos deste tipo de substância para a saúde e o meio ambiente. Para ter bons argumentos para começar a conversa, é só clicar aqui.
Assine a petição contra o PL do Veneno | Organizada por diversas entidades reunidas em torno da plataforma #ChegaDeAgrotóxicos, ela já tem mais de 1,5 milhão de assinaturas e serve para pressionar deputados que ainda estão indecisos. Para contribuir com a sua, é só clicar aqui.
Faça uma denúncia sempre que identificar irregularidades em relação à venda e ao uso indevido de agrotóxicos | Em Minas Gerais, a denúncia em relação a esse tipo de substância é registrada pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA). Para fazer a sua, é só clicar aqui.
Pressione, neste reta final, as lideranças partidárias da Câmara dos Deputados | Elas são responsáveis por orientar os deputados de seus partidos em todas as votações e podem vir a influenciar o resultado final. Os contatos são:
AVANTE – Luís Tibé
(61) 3215-5632 | lid.avante@camara.leg.br
DEM – Rodrigo Garcia
(61) 3215-9265/9281 | lid.dem@camara.leg.br
PDT – André Figueiredo
(61) 3215-9700/9701/9703 | lid.pdt@camara.leg.br
PMDB – Baleia Rossi
(61) 3215-9181/80 | lid.pmdb@camara.leg.br
PP – Arthur Lira
(61) 3215-9426 | lid.pp@camara.leg.br
PR – José Rocha
(61) 3215-9550 | lid.pr@camara.leg.br
PRB – Celso Russomano
(61) 3215-9880/9882/9884 | lid.prb@camara.leg.br
PSB – Júlio Delgado
(61) 3215-9650 | lid.psb@camara.leg.br
PSD – Domingos Neto
(61) 3215-9060/9070 | lid.psd@camara.leg.br
PSDB – Nilson Leitão
(61) 3215-9345/9346 | lid.psdb@camara.leg.br
PSL – Delegado Francischini
(61) 3215-5265 | dep.delegadofrancischini@camara.leg.br
PSOL – Ivan Valente
(61) 3215-9835 | lid.psol@camara.leg.br
PT – Paulo Pimenta
(61) 3215-9102 | lid.pt@camara.leg.br
PTB – Jovair Arantes
(61) 3215-9502/9503 | lid.ptb@camara.leg.br
PV – Leandre
(61) 3215-9790 | lid.pv@camara.leg.br
SD – Wladimir Costa
(61) 3215-5343 | lid.solidariedade@camara.leg.br
Próxima reportagem
Como Minas Gerais se enquadra nesse cenário dos agrotóxicos? Pelo viés do consumo, somos um dos estados mais preocupantes do país. Tanto pelo tamanho do nosso agronegócio quanto pela população de trabalhadores rurais e de famílias que ingerem alimentos e água com resíduos desses produtos químicos.
Na próxima reportagem da nossa série especial “Caminhos do agrotóxico”, vamos mostrar o tamanho da ameaça em Minas Gerais. Também traremos as principais reações das entidades e grupos que estão se articulando para combater o PL do Veneno, como o Fórum Mineiro de Combate aos Agrotóxicos.
6 Comments
[…] 2018, alguns projetos polêmicos e que encontram forte resistência popular. Um deles é o chamado PL do Veneno, projeto de lei que afrouxa a produção, a fiscalização e o uso deste tipo de produto químico […]
[…] meio à polêmica gerada pelo PL do Veneno, foi instalada em maio deste ano, na Câmara dos Deputados, uma Comissão Especial para analisar […]
[…] O “PL do Veneno”, como ficou conhecido o polêmico projeto de lei, é uma ameaça imediata, uma vez que, dentre outros pontos, institui a autorização a novos tipos de agrotóxicos mesmo que os órgãos competentes não tenham realizado a análise de risco (à saúde, ao meio ambiente e à produção), retira a competência dos ministérios do Meio Ambiente e Saúde de vetar tais venenos, assim como tira o poder de estados e munícipios de criarem leis próprias sobre seu uso, como o Lei.A mostrou (link). […]
[…] Em Minas Gerais, o Fórum Mineiro de Combate aos Agrotóxicos segue na linha de frente contra o PL do Veneno e sua votação “no apagar das luzes” de 2018. Entre outros retrocessos, a proposta de lei em tramitação na Câmara dos Deputados restringe a atuação dos órgãos de saúde e meio ambiente em todo o processo de liberação e controle desse tipo de substância (saiba tudo o que pode mudar clicando aqui). […]
[…] – Para saber em detalhe o que muda caso seja aprovado o PL do Veneno, clique aqui. […]
[…] O Brasil vive um momento em que a agenda ambiental é posta em cheque, passando por um período com diversas propostas de leis que impactam diretamente os solos, as florestas e as águas do país. Um dos exemplos disso é o projeto de lei 6299/02, conhecido como “PL do Veneno”. […]