Para celebrar o dia em que se comemora a existência das máquinas capazes de congelar momentos, nós, do Lei.A, listamos alguns fotógrafos que nos fazem conhecer os patrimônios materiais, imateriais e afetivos do país
A fotografia entra na vida de muita gente por mero acaso. Assim foi com o saudoso Assis Horta, fotógrafo mineiro nascido em 1918 que, depois da morte do pai, ainda criança, começou a trabalhar em um estúdio para ajudar no sustento da família, em Diamantina, Minas Gerais. Pouco mais tarde, foi indicado para uma vaga de assistente de serviços gerais com noções de fotografia. O patrão era um advogado, escritor e jornalista chamado Rodrigo Melo Franco, fundador e presidente por trinta anos do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Sphan, precursor do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).
Naquela época, diversos fotógrafos passaram a integrar o corpo de colaboradores do Sphan, pois era a partir da documentação feita por eles – e enviada ao Rio de Janeiro, sede do órgão, que se iniciava a análise pelo tombamento ou não de algum bem.
Um dos objetivos de Melo Franco era conseguir tombar em nível federal o centro histórico de Diamantina e, para isto, precisava de registros detalhados das ruas, casas, comércios, igrejas e demais construções que compunham a região. Foi ali que Assis Horta deu início ao trabalho de imortalizar o patrimônio arquitetônico e a sociedade de Diamantina.
Mas a grande reviravolta da carreira de Assis Horta veio em 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho, promulgada por Getúlio Vargas. Uma das mudanças da legislação era a obrigatoriedade da carteira profissional com a foto de cada trabalhador, fazendo com que a população buscasse em massa os estúdios fotográficos para regularizar a documentação.
Nessa toada, Assis Horta fotografou milhares de pessoas, em formato 3 x 4 e em retratos mais amplos, sendo este, para a grande maioria, o primeiro registro fotográfico da vida e fazendo deixar de ser exclusivo das elites o acesso a esse tipo de serviço. De repente, o rosto do povo ocupou os negativos, as carteiras e as paredes das casas.

Assis Horta desempenhou o papel de tirar uma fração dos trabalhadores brasileiros do anonimato, dando a eles rosto e registrando suas identidades para marcar um importante ponto do passado brasileiro.
A trajetória deste fotógrafo inspirou a nós, do Observatório Lei.A, a celebrar este 19 de agosto, Dia Mundial da Fotografia, com outras indicações e histórias de fotógrafos e fotógrafas do Brasil que, por meio de imagens, contam sobre os patrimônios materiais e imateriais capazes de congelar no tempo elementos importantes da nossa identidade.
Assista ao filme documentário “Assis Horta – O guardião da memória”

#conheça
Lei.A indica: dez fotógrafos e fotógrafas para conhecer mais sobre o patrimônio de Minas Gerais e do Brasil.
1. Ratão Diniz – provocação e contraste em cores
Nascido no Rio de Janeiro, na comunidade da Maré, Ratão se formou pela Escola de Fotógrafos Populares e até o ano de 2014 foi integrante da agência Imagens do Povo, fundada na favela da Maré pelo fotodocumentarista João Roberto Ripper.
De acordo com ele, seu trabalho tem quatro temáticas centrais: a favela, lugar considerado por ele como “o início de tudo”; o grafite, linguagem artística que define sua relação mais forte com o ambiente urbano; o interior do Brasil, tema presente em sua vida graças às histórias contadas pela mãe nordestina sobre o sertão de onde ela veio; e as festas populares, tema que, segundo Ratão, faz parte de sua trajetória fotográfica desde o início de sua formação. “A fotografia, independente do tipo, é um suporte de memória, seja ela publicitária, documental ou amadora, ela marca um tempo. Ela preserva uma memória coletiva e te convida a refletir sobre determinado território, seja em forma de contemplação, nostalgia ou provocação”.



2. Bruna Brandão – um mergulho profundo nas “gentes” do Brasil
Para ela, a câmera fotográfica é como uma chave capaz de ajudar a abrir portas para lugares onde, tanto quem clica quanto quem aprecia a imagem, dificilmente iriam. A jornalista belo-horizontina de 30 anos se dedica à fotografia há mais de uma década e já viajou Brasil adentro para captar o patrimônio imaterial que o país oferece em forma de costumes, festas, rostos e as belezas naturais. Depois de tantos anos de experiência, Bruna conta ter deixado para trás um comportamento meio furtivo na hora de fotografar. “Antes eu achava que não poderia intervir na imagem, o que também funciona, mas fez mais sentido para mim desenvolver uma troca honesta com quem está sendo fotografado. Trocar, esperar, propôr, criar junto. E isso precisa de tempo. Para mim, hoje em dia, o tempo é o maior desafio e o maior aliado na hora de registrar algo, pois assim é possível fazer um trabalho profundo e respeitoso”, conta.


3. Bicho Carranca – poesia e memória
A fotografia começou a ser inserida na vida do artista mineiro nascido em Pirapora de forma inconsciente, por meio dos registros constantes feitos pelos pais dele, mesmo tendo a família condições financeiras limitadas. Mas foi depois da morte de sua mãe, quando Bicho Carranca já era adulto, que a câmera passou a ser sua companheira fiel, como uma forma de superar a dor e ver o mundo. “A partir disso, entendo que fui resgatando minhas memórias e a fotografia fluiu em mim como uma enchente e transbordou”. Quem vê as imagens registradas pelo artista percebe a poesia da cultura barranqueira, de onde ele veio e têm raízes fincadas, muito presente. O Rio São Francisco é outro elemento que compõe de forma especial do seu trabalho. Crescido nas águas do Velho Chico enquanto acompanhava o pai e a mãe nas pescarias, ele fez desse rio, guardião de tantos patrimônios, sua fonte de inspiração. “Patrimônio para mim é algo que guarda a história de um povo, seja material ou imaterial. Penso que o registro dos patrimônios dos lugares que habitamos é um potente instrumento de educação e de geração de valor para uma cultura, principalmente se forem registrados e contados pelo seu próprio povo”.

4. Elza Lima – os registros das preciosidades ribeirinhas
A historiadora paraense é referência no mundo da fotografia nacional pelo seu olhar detalhado para o cotidiano e para a cultura ribeirinha do norte do Brasil. Seus registros estão voltados para as festas populares, para o artesanato, para a pesca e demais costumes de quem vive às margens dos rios. Elza já conquistou diversas bolsas, como a Marc Ferrez (FUNARTE) com o tema “Rota d´água”, para viajar pelo Rio Trombetas, registrando os quilombos da região e a bolsa Vitae, e também a bolsa “Viagem ao Cuminá“, refazendo 100 anos depois a viagem da cartógrafa Otille Coudreau, primeira mulher a fotografar a Amazônia. Também ganhou a bolsa de Pesquisa, Criação e Experimentação Artística do Instituto de Artes do Pará (IAP), com a pesquisa “Viagem às Amazonas”, documentando as mulheres que hoje desempenham a função de arrimo de família no rio Nhamundá.
5. Eduardo Gontijo – da fotografia amadora ao olhar profissional
Formado em psicologia e especializado em filosofia, o fotógrafo mineiro sempre teve um apreço imenso por ecologia e arte. Com o tempo, foi se encantando também pelo desenho realista, que o direcionou para a fotografia por meio dos retratos. “O jogo de luz nos retratos é uma coisa que me facina”, conta. Instigado pelas questões do contraste, da luz, pelos desafios da longa exposição, Eduardo sempre gostou de fotografar as paisagens do cerrado, mas de uns tempos para cá começou a registrar com frequência o barroco mineiro. “Essa experiência me levou para o campo do patrimônio, porque me senti desafiado a conseguir registros de construções históricas sem a distorção das câmeras. Isso exige técnica e paciência”. Pelos ótimos resultados adquiridos, Eduardo começou a ser chamado para fotografar para revistas e livros sobre os temas patrimoniais. Mesmo ainda se apresentando como fotógrafo amador, Eduardo coleciona registros impecáveis de paisagens, construções históricas e retratos.
6. Ane Souz – sintonia com a essência da imagem
Natural de Itabira, Ane se mudou para Ouro Preto em 2013 e começou a fotografar o carnaval de rua da cidade, aos 28 anos. Com o tempo, passou a se dedicar a fotografia documental e ao fotojornalismo, acumulando um acervo imenso de fotos do patrimônio histórico da cidade. Em 2022, ela inaugurou um banco de imagens disponíveis gratuitamente para a imprensa, instituições e para pesquisadores fazerem uso. Sua experiência como fotógrafa a fez enxergar as imagens capturadas como um enigma. “A cada imersão a alma viaja por mundos até expressar o que está dentro dela ao som do obturador cravando a tela”.

7. Leo Drumond – a fotografia como registro de transformação
Foi a experiência como fotógrafo de um jornal mineiro que fez Leonardo emoldurar pelas janelas do carro as primeiras paisagens inspiradoras. “Esse trabalho despertou meu olhar para a cidade, pelo espaço. Fui em lugares que não iria no meu dia a dia, além de viajar muito por Minas Gerais, o que me deu a chance de entender a diversidade de olhares que se pode ter sobre um mesmo lugar”, conta. A dinâmica de transformação dos territórios, das cidades do interior do Brasil, o instigaram a usar a fotografia como mecanismo de registro dessa mutação, sendo para ele uma maneira de não deixar essas mudanças perderem seu sentido. “Dessa forma, a gente consegue realizar, por exemplo, que Minas Gerais deixou de ser há tempos aquele lugar somente da arquitetura colonial. As fotos nos ajudam a ver que para além dos centros históricos, temos diversas histórias para contar sobre os caminhos que as cidades ganharam com o tempo”, exemplifica.


8 – Cézar Félix – encantamento infinito por Minas Gerais
A vastidão das Minas Gerais sempre fascinou o jornalista e fotógrafo Cezar Félix. Ainda criança, percorria os arredores da sua cidade natal, Patrocínio, com o deslumbramento que via em cada trilha, cada mato, pedra ou curso d’água mais que um cenário, uma aventura. O menino cresceu, foi fazer faculdade em Belo Horizonte, mas sempre manteve o olhar maravilhado para as belezas naturais, culturais e arquitetônicas do seu estado. Fundador e editor da Revista Sagarana, que há 23 registra em foto e texto as riquezas de Minas Gerais, ele também foi editor de publicações que reunem diversas imagens de patrimônios mineiros. São os livros “As muitas Minas e a Vastidão das Gerais” e a série “Minas de Tantos Gerais” volume I e II.


9. Carina Aparecida – potência e ternura no registro do patrimônio familiar
Atuando como foto e vídeo desde as épocas da graduação de jornalismo, Carina não consegue enquadrar seu trabalho em uma só linguagem. Depois de passar uma temporada no México antes da pandemia, se dedicando a uma temporada de observação e pesquisa sobre o povo zapatista, resolveu voltar ao Brasil para buscar – e registrar – sua própria origem. “A fotografia me ajuda a buscar essas memórias, esse patrimônio que é meu, de descendência indígena e negra, da terra de onde eu venho. Esse invisível que é também tirado pela cultura colonialista, porque somente as pessoas que tinham condições financeiras eram registradas, e não era o caso da minha família. Então, hoje, eu reflito em como é possível registrar o espiritual e ancestral. E em como é importante ter esses registros”. Em suas fotos, Carina captura as texturas, luzes e sombras capazes de fazer viajar no tempo, na memória e no passado, de forma sensível e poética. “Para mim a fotografia é um ritual de encontro, de troca. Uma visão padronizada da fotografia é aquela imagem que a gente toma do outro, mas eu gosto de entender esse encontro como algo que ultrapassa a camera”. Recentemente, Carina desenvolveu um projeto fotográfico de registros das memórias de sua família, tentando alcançar por meio das fotos as heranças deixadas pela avó materna, já falecida. Outro trabalho recente foi para a Revista Perambula, com os registros do Quilombo Família Souza, localizado em Belo Horizonte, certificado como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares.


10 – Tom Alves – fotografia de estrada
Ele conta ser fotógrafo antes mesmo de saber que era, desde a época em que, ainda pequeno, viajava com a família e adquiriu o hábito de observar e conviver com a natureza, com o sertão e seus personagens. Hoje em dia, depois de acumular 15 anos de experiência, se define como um fotógrafo “estradeiro”, que se dedica a registrar natureza, paisagens, cultura, fotografia de rua, patrimônio e arquitetura. “A fotografia resgata culturas, faz com que elas se mantenham vivas mesmo depois de não existirem mais. Além disso, a fotografia tem a função de sensibilizar pelo conhecimento, porque a partir do momento em que aquela imagem é divulgada e posta em circulação, ela ganha novos olhares e novos interesses”, diz.

