Raio-x foi feito em atas das reuniões da Câmara Técnica de Assuntos Minerários do Copam e pela Controladoria-Geral do Estado de MG
Desvirtuamento do licenciamento ambiental transforma processo de decisão em mera formalidade
Após avaliar a atuação das comissões parlamentares envolvidas com a temática ambiental (Meio Ambiente e Minas e Energia), nós do Observatório Lei.A analisamos o polêmico trabalho da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), colegiado vinculado ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), responsável por decidir a viabilidade ou não dos projetos de mineração, causadores de significativo impacto ambiental e social em Minas Gerais.
Também trazemos um importante estudo da Controladoria-Geral do Estado de Minas Gerais que constata: 90% das decisões das pessoas que ocupam os cargos de conselheiros nas cadeiras destinadas ao Governo do Estado e à iniciativa privada são sempre em conjunto e invariavelmente a favor da mineração, independente do impacto causado por seus novos empreendimentos.
O objetivo mais uma vez é, por meio de dados oficiais, quantificar o trabalho dos homens e mulheres que compõem esse conselho, sua efetividade e os resultados obtidos a partir da atuação dos seus conselheiros. Com isso, pretendemos fornecer à sociedade civil um retrato das decisões tomadas por esses conselheiros ao longo do ano de 2019.
O que faz a CMI
Como já tratamos em matérias anteriores (link), o licenciamento ambiental é o principal instrumento técnico e jurídico utilizado como forma de prevenir desastres e tragédias de grandes empreendimentos, como é o caso da mineração. Pela característica delicada dessa atividade, exige-se uma série de autorizações, laudos técnicos, estudos de impacto ambiental, projetos de monitoramento de áreas que podem sofrer danos imediatos, dentre outros documentos.
Em Minas Gerais, conforme o porte e a localização do empreendimento, este processo é classificado e conduzido pelo Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que congrega todos os órgãos ligados ao meio ambiente vinculados ao poder executivo. São esses órgãos que estabelecem critérios e conduzem o licenciamento ambiental no estado. Nesse contexto, cabe ao Conselho de Políticas Ambientais (Copam) de Minas Gerais, definir as regras, como e o que deve acontecer durante o processo de licenciamento ambiental.
No Copam, os pedidos de licenciamento são distribuídos por sete câmaras temáticas, as chamadas Câmaras Técnicas Especializadas. Nelas se discute a implantação dos projetos apresentados e vota-se, contra ou a favor à concessão da licença. Suas reuniões são mensais e abertas ao público.
Uma delas é a Câmara de Atividades Minerárias (CMI), responsável por decidir sobre a viabilidade ambiental dos projetos avaliados causadores de significativo impacto (classificados como 5 ou 6 – e, às vezes, 4). Nela, os processos de licenciamento ambiental da mineração são discutidos e votados a partir de um parecer único (técnico e jurídico), elaborados pelos técnicos das Superintendências de Meio Ambiente regionais (Suprams) e Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri).
Veja o vídeo produzido pelo Lei.A que explica o licenciamento ambiental em Minas Gerais:
Como foi trabalho da CMI em 2019?
Não se pode dizer que esse colegiado, composto por doze membros (seis da sociedade civil e seis do estado), não trabalhou em 2019. Foram quatorze reuniões já realizadas no ano e estas costumam se prolongar por manhãs e tardes. Ainda resta uma última reunião ordinária nesse ano que está programada para ser realizada no dia 20 de dezembro. Nós do Observatório analisamos os resultados dessas reuniões.
Dentre os casos mais polêmicos que foram aprovados, podem ser citados o retorno da mineração na Serra da Piedade (link) e a autorização para a Samarco voltar a operar, após o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015, que matou dezenove pessoas e devastou parte da Bacia do Rio Doce. Com a decisão, a empresa voltará a minerar, mesmo sem ter entregue nenhuma casa do reassentamento às famílias atingidas pela tragédia.
Controladoria-Geral do Estado aponta aparelhamento do conselho
A composição da CMI foi definida pela Deliberação Copam no. 995/2016. Como o Lei.A já mostrou (link), a partir de 2017 as Câmaras Técnicas substituíram, nas grandes decisões de licenciamento, as Unidades Regionais Colegiadas (URCs), conselhos que atuavam nas diversas regiões do estado, divididos por bacias hidrográficas. Com a mudança, houve um enfraquecimento da participação da sociedade civil nos processos decisórios de concessão de licenças ambientais.
Atualmente, a representação na Câmara Técnica de Assuntos Minerários (CMI) tem se mostrado “pró-mineração”, decidindo recorrentemente as votações com o placar de 10 a 2 (ou 9 a 3), em favor da concessão de licenças, mesmo quando os empreendimentos apresentam fragilidade no quesito segurança. Este é o caso, por exemplo, da expansão da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, que obteve sua licença aprovada na câmara, em dezembro de 2018, ou seja, um mês antes da tragédia.
Um relatório elaborado pela Controladoria-Geral do Estado (CGE), publicado em 24 de setembro 2019, analisou a atuação da CMI entre os meses de fevereiro de 2017 e abril de 2019. O relatório aponta que existe a união entre os representantes do Governo do Estado, do setor minerário e do Crea-MG para aprovar projetos de interesse das mineradoras. Juntas estas entidades totalizaram 8 dos 12 votos possíveis. Com isso, em todo o período analisado, pelo menos dois terços da CMI sempre votam de forma muito semelhante em favor da mineração.
“Os resultados apontam uma forte correlação (acima de 90%) entre o total de votos favoráveis e aqueles pela aprovação de uma determinada pauta por todos os agentes da CMI, com exceção basicamente dos representantes da Fonasc/CBH, do Cefet e do Ibama”, diz o relatório do CGE.
O documento sugere uma série de alterações na CMI, dentre elas:
- mudanças na composição do conselho;
- exigência de maioria absoluta ou qualificada (e não maioria simples como é hoje) nas votações de pautas consideradas sensíveis.
Leia o relatório completo da CGE (link).
#aja
Próxima reunião no dia 20/12: acompanhe!
Esteja presente na última reunião do ano da CMI, que acontecerá no dia 20 dezembro. Na sua pauta está a concessão da licença de operação para ampliar a capacidade da barragem de rejeitos do projeto Minas-Rio da Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, na região Central do estado. O retorno do tema ao conselho contraria a recomendação do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que pede a suspensão do processo de licenciamento, alegando o não cumprimento de condicionantes, além de estar descumprindo o que foi determinado pela Lei “Mar de Lama Nunca Mais”.
A Lei “Mar de Lama Nunca Mais” (Lei Estadual nº 23.291/2019), aprovada em fevereiro de 2019, veda a concessão de licença ambiental para a construção, instalação, ampliação ou alteamento de barragem, onde estejam identificadas comunidades que vivam abaixo das estruturas e que não teriam tempo de salvar em caso de rompimento. Abaixo da barragem da Anglo American vivem comunidades, como São José do Jassém, Água Quente e Passa Sete.
Atualmente, a barragem tem capacidade de armazenar 60 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério. O pedido é para que ocorra uma ampliação para 167 milhões de metros cúbicos.
Os documentos que apresentam o projeto de ampliação podem ser encontrados no link
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