Cultura pode salvar área desprotegida por Lei Frankenstein na Estação Ecológica de Arêdes

Ministério Público e outras entidades recorrem ao valor cultural de Arêdes para tentar barrar a entrada da mineração na Unidade de Conservação. Área repleta de ruínas históricas ficou desprotegida após lei aprovada pelos deputados estaduais de Minas no fim de 2017.

Na última semana, o Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MPMG) ajuizou um Ação Civil pleiteando o reconhecimento do Conjunto Arqueológico de Arêdes como área especialmente protegida, dada sua relevância para a história de Minas Gerais. Na ação, o MPMG pede urgência na implementação de medidas para a proteção da unidade, que “abriga um significativo conjunto de ruínas, que, associado a vários outros vestígios arqueológicos (canais, catas, muros de contenção) permite considerá-la como um verdadeiro ‘complexo arqueológico’, apresentando grande potencial para estudos e pesquisas”, afirma o texto.

A área está em risco desde que os deputados estaduais de Minas aprovaram o projeto de lei 3677 e o governador Fernando Pimentel sancionou a Lei Estadual 22.796 no apagar das luzes de 2017. Originalmente, a proposta tinha como único objetivo fazer com que os recursos arrecadados pela chamada Taxa de Fiscalização dos Recursos Minerários (TFRM) fossem integralmente destinados aos órgãos ambientais do Estado, mas acabou recebendo emendas que liberaram para mineração mais de cem hectares desta unidade de conservação (saiba mais sobre o caso aqui).

Localizada no município de Itabirito (MG), a área desafetada possui mais de cem hectares e abriga construções da época do Ciclo do Ouro com “inegável relevância do ponto de vista científico-cultural”, segundo o Laudo Técnico produzido pela Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultura e Turístico do MPMG. Entre eles, destaque para a capela, os currais de pedra e a senzala, além de ocorrências arqueológicas de lavras, galerias, canais, muros, tanques e trilhas.

Além da declaração do valor cultural e o reconhecimento do conjunto como área especialmente protegida, o Ministério Público requer também na ação que o município de Itabirito fique impedido de expedir qualquer autorização que acarrete a deterioração do local.

 

Patrimônio municipal, estadual e nacional

Outra solicitação que está na ação civil do MPMG é que seja finalizado o processo de tombamento do Complexo Arqueológico de Arêdes pelo município de Itabirito. Em 2013, o MPMG recomendou a abertura de procedimento de tombamento de todo o Complexo Arqueológico. Porém, o processo esbarra nos interesses econômicos de empresas mineradoras, que vêm pressionando para que a área tombada seja menor do que recomendam os laudos técnicos, o que, segundo a ação, descaracterizaria o patrimônio.

No documento, o MPMG afirma que “é necessário o tombamento de todo o Complexo Arqueológico – o qual ainda possui áreas sequer estudadas – e não de estruturas isoladas e descontextualizadas que, inclusive, sofrerão riscos em razão de sua fragilidade”.

Arêdes faz parte também do Cadastro Nacional de sítios arqueológicos tombados pelo Instituto Histórico do Patrimônio Nacional (IPHAN). No dia nove de abril, o IPHAN chegou a enviar à gestora da unidade um documento em que afirma sua preocupação com a alteração dos limites da Estação Ecológica. Disse ainda que o Complexo Arqueológico de Arêdes é um conjunto inigualável da arqueologia mineira e brasileira.

O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico (IEPHA) também se manifestou sobre os riscos ao patrimônio causados pela alteração dos limites da unidade, afirmando que procederá o processo de tombamento estadual da área tão logo haja disponibilidade de recursos.

Entidade associada à Unesco mostra preocupação com Arêdes

Outra entidade que mostrou preocupação com a área foi o Comitê Brasileiro do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos Brasil). Durante sua assembleia geral, realizada em 25 de abril, o Icomos Brasil decidiu enviar ao governador de Minas Gerais, aos deputados estaduais e ao Ministério Público Estadual uma moção alertando para as graves consequências da alteração dos limites da Estação Ecológica de Arêdes.

Segundo a moção, tal mudança na área da estação foi realizada sem a transparência e o diálogo necessário e também foi desprovida de qualquer avaliação técnica, o que coloca em risco o patrimônio arqueológico e natural que até então estava protegido por lei. Segundo o presidente do Icomos Brasil, Leonardo Barci Castriota, “a moção representa a preocupação do Icomos para que esse patrimônio natural e cultural não seja descaracterizado”.

O Icomos é uma organização não governamental presente em diversos países e que atua como consultor para a implementação de patrimônios mundiais. É um associado da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

 

A Lei Frankenstein

A Estação Ecológica Arêdes está em risco desde que os deputados aprovaram no apagar das luzes de 2017 a Lei 22.796, que tinha como objetivo fazer com que os recursos arrecadados pela chamada Taxa de Fiscalização dos Recursos Minerários (TFRM) fossem integralmente destinados aos órgãos ambientais do Estado.  Porém, nela foi incluído pelo deputado João Magalhães (PMDB) um artigo que liberou para mineração mais de cem hectares em áreas protegidas da Estação Ecológica.

Conforme o Lei.A noticiou, a área desprotegida está no coração da Estação Ecológica de Arêdes e atinge todo o conjunto de ruínas desta unidade de conservação. Após a aprovação, alguns deputados se disseram “ludibriados” e propuseram o Projeto de Lei 4940 para reverter a decisão. A proposta, contudo, está parada desde o dia 20 de fevereiro à espera da nomeação de um relator pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa (Saiba mais aqui).

Segundo a ação do MPMG, “cerca de 60% da área desafetada corresponde a sítios arqueológicos, sendo que as maiores perdas estão concentradas naqueles conjuntos arqueológicos que motivaram a criação da Estação Ecológica de Arêdes, especialmente as ruínas principais da fazenda Arêdes”.

O silêncio de Pimentel

O governador Fernando Pimentel teve seis dias para analisar projeto de lei e optou por transformá-lo na lei estadual 22.796 sem vetar o artigo 84, que desafetou a área protegida de Arêdes. O Lei.A procurou o Instituto Estadual de Florestas (IEF), a Casa Civil e a Secretaria de Comunicação do Governo de Minas (Secom) em busca de um posicionamento do Estado sobre a decisão, mas não obteve resposta objetiva a nenhuma das perguntas que encaminhou ao governador.

Confira aqui as perguntas enviadas pelo Lei.A e a íntegra da resposta recebida pela Superintendência de Imprensa do Governo de Minas, que admite a possibilidade de intervenção na área desde que esta “não acarrete impactos ambientais significativos nos atributos ambientais e no patrimônio histórico-cultural da região”.

 

Você pode atuar

Quer contribuir para a recuperação desta área protegida da Estação Ecológica de Arêdes? Algumas alternativas são:

  • Mande um recado para os parlamentares que propuseram o projeto de lei 4940 cobrando rapidez na tramitação do projeto. Para enviar mensagem aos deputados eleitos com votos do seu município, cadastre-se na nossa plataforma, www.leia.org.br.
  • Mande também uma mensagem para as comissões de Constituição e Justiça e de Meio Ambiente da Assembleia, por onde o projeto precisará passar antes de ir a voto pelos deputados. É só entrar na página das comissões, no site da Assembleia (https://goo.gl/g2VSXB), e clicar no botão vermelho “Fale com a Comissão” para deixar sua mensagem.
  • Você também pode mandar seu recado diretamente para o presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Leonídio Bouças (PMDB). É dele a a prerrogativa de designar um relator na comissão para o projeto de lei 4940, sem o qual a proposta não pode avançar. O email é dep.leonidio.boucas@almg.gov.br e o telefone do gabinete é (31) 2108-5915.

 

 

Atualização

A Justiça atendeu ​ao o pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e determinou que seja proibida a prática de atos que possam destruir, inutilizar ou deteriorar o Complexo Arqueológico de Arêdes. O MPMG havia solicitado, em regime de urgência, o reconhecimento de Arêdes como área especialmente protegida, em virtude da aprovação da Lei Frankenstein pelos deputados estaduais de Minas​ que desafetou parte da unidade de conservação​​. A decisão protege a área desafetada e o patrimônio arqueológico presente até que a estação Ecológica ​seja devolvida ​à população.

O ​Observatório Lei.A – Conhecimento e Ação pelo Meio Ambiente realizou ​no dia 28 de abril uma oficina em São Gonçalo do Bação, distrito de Itabirito, vizinho da Estação Ecológica de Arêdes. ​Estiveram presentes ​aproximadamente de 30 participantes, que ​puderam conhecer melhor a área, debater e refletir ​sobre a importância desta Unidade Conservação e os riscos e pressões que ela sofre. ​Também foi realizada uma visita guiada na até as ruínas da Estação Ecológica, cujo objetivo foi construir uma relação mais próxima entre a gestão da Unidade e os moradores do entorno​. Todos puderam aprender técnicas de ​fotografia e formas de comunicação para mobilização social.​ A própria comunidade já se movimentou e está criando um canal próprio de divulgação nas redes sociais e em breve estarão sendo divulgadas.   ​

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