Contingenciamentos de repasses coloca em xeque trabalho de comitês de bacias hidrográficas em Minas Gerais

Lei.A lança reportagem didática sobre os comitês de bacias: o que são? o que fazem? como participar deles?

Governo de Minas Gerais deixou de repassar R$ 44 milhões, de 2010 a 2019, colocando em risco a participação popular quanto à defesa das águas

 

Você pode não saber, mas ao andar pelas ruas da cidade, trafegar por rodovias ou passear em um parque natural, você está necessariamente sobre a área de uma bacia hidrográfica. As águas das chuvas, das montanhas, subterrâneas ou de rios tendem a se direcionar para um determinado curso d’água, abastecendo-o. Esta extensão em que as águas escoam em uma determinada direção – gerando os lençóis freáticos, os grandes  rios e seus afluentes -, é chamada de bacia hidrográfica.

Resumidamente, uma bacia hidrográfica é uma grande concentração de rios pequenos e médios (e suas reservas subterrâneas) que deságuam na calha principal de outro ainda maior. É como o corpo humano, suas veias e artérias.

Mas se temos esse universo gigantesco de “veias e artérias de água”, pequenos e médios rios, pontos de captação de água e a garantia de vida para milhares de cidades e territórios, quem afinal de contas pode defendê-lo de uma destruição? Como você mesmo pode atuar para lutar pela água da sua casa?

Nessa reportagem, nós do Lei.A queremos falar sobre o que são chamados “comitês de bacias hidrográficas” e seu funcionamento. Também vamos abordar uma situação delicada: de 2010 a 2019, o Governo do Estado de Minas Gerais deixou de repassar R$ 44.119.881,00 para o funcionamento de diversos comitês. Isso representa 79% dos recursos do FHIDRO que deveriam ser repassados, colocando em risco eminente a segurança da água que chega à sua casa.

#Conheça

O que são os comitês de bacia hidrográfica?

O Brasil é o país mais rico do mundo em termos de reservas hídricas e abriga 13,7% da água doce que está disponível nas bacias hidrográficas do planeta. Pouca gente sabe, mas no país existe a Lei das Águas que prevê a participação da sociedade nas discussões sobre os usos desse recurso.

Essa lei cria o que chamamos dos “Parlamentos das águas”,  que devem contar com a participação de representantes do poder público, de empresas que utilizam a água para fins econômicos, mas também de “cidadãos comuns”, que apenas consomem a água em casa no dia-a-dia. Esses parlamentos são os comitês de bacias hidrográficas.

A necessidade de promover a recuperação ambiental e a manutenção da água, cuja distribuição não é uniforme e enfrenta problemas como poluição, escassez e conflitos pelo uso, fez com que o conceito de bacia hidrográfica passasse a ser difundido e consolidado no Brasil a partir da década de 1970. Porém, foi a redemocratização do país e a implementação da Constituição de 1988 que abriram o caminho para uma política nacional das águas.

A inclusão do Comitê de Bacia Hidrográfica como instância de gestão de recursos hídricos foi regulamentada por meio da lei 9.433/97, conhecida como Lei das Águas. Inspirada no modelo francês, ela estabelece que a bacia hidrográfica é a unidade territorial a ser considerada na implementação da política pública de gestão das águas, de forma participativa e descentralizada, fazendo com que a população pudesse fazer parte do processo decisório sobre os diversos usos. Para tanto, ela precisa de órgãos colegiados (grupos em que as representações são diversas e as decisões são tomadas de forma participativa) instituídos por lei, com composição paritária de representantes do poder público, usuários das águas e organizações da sociedade civil. Daí, os comitês.

Os comitês de bacia têm como objetivo a gestão participativa nas tomadas de decisões sobre o uso da água em cada região hidrográfica:

– implementando instrumentos técnicos de gestão e conservação;

– mediando conflitos provenientes dos usos múltiplos da água;

– garantindo seu uso para o bem estar da comunidade e para o desenvolvimento equilibrado da economia local, regional e nacional (inclusive, opinando e influenciando no preço cobrado pelo consumo da água).

 


Como são financiados os comitês de bacias hidrográficas?

Em Minas Gerais existem 36 desses comitês de bacias (link). Desse total, doze sobrevivem da cobrança pelo uso da água. Nesse caso, usuários que fazem a captação de grande quantidade de água – caso, por exemplo, da Copasa, que abastece a Região Metropolitana de Belo Horizonte – pagam pelo consumo, uma vez que têm ganhos comerciais com a distribuição do recurso.

Já os outros 24 são financiados apenas pelo Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais (Fhidro). Esse recurso provém, principalmente, da compensação financeira paga pelas hidrelétricas por áreas inundadas por  seus reservatórios. Ele é repassado ao governo estadual, que por sua vez, deve destinar os recursos aos comitês.

Os recursos arrecadados pela cobrança são repassados aos comitês e utilizados para financiar estudos, projetos e obras que visem a melhoria da qualidade da água e a redução da poluição, através do tratamento de esgotos, gestão ambiental e a participação social, enquanto os recursos do Fhidro são para estruturação e operacionalização dos comitês.

 

Governo de Minas Gerais em débito

Fato é que esse repasse não tem sido cumprido pelo governo mineiro, que o contingencia há mais de nove anos. Em 2018, no Governo de Fernando Pimentel (PT), por exemplo, somente a retenção do Fhidro ultrapassou o valor R$ 4 milhões . Ainda hoje, no Governo Romeu Zema (Novo), os valores não estão sendo repassados na integralidade.  

 

Com esse recurso os comitês fazem seus planejamentos, operacionalização e diversos trabalhos dentro das suas respectivas bacias hidrográficas. Minas Gerais tem feito um esforço enorme para repassar recursos aos comitês para que possam trabalhar dentro de sua bacias, mas assim como outros estados, está com problema no repasse”, afirma Hideraldo Bush, Coordenador do Fórum Nacional de Comitês. 

No dia 15 de maio deste ano, durante a reunião ordinária do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias Hidrográficas, foi criada uma comissão que buscará uma solução para o tema junto o governo mineiro.

 

 

#Monitore

Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas: barragens, bombas-relógio e água da região Central de MG

A principal bacia hidrográfica que abastece a região Central do estado, incluindo a capital Belo Horizonte e sua região metropolitana, é a do rio das Velhas. São 4,5 milhões de pessoas dependendo de suas águas, que abastecem 51 municípios. Ela ocupa uma área de 29.173 km2 e tem uma extensão de 801 km, acompanhando o Velhas, que nasce em Ouro Preto e deságua no São Francisco, no município Várzea da Palma.

Apenas na parte alta do Velhas (onde ele nasce), existem atualmente 84 barragens de rejeito, sendo que 14 delas não possuem estabilidade garantida. Caso alguma delas se rompa, o desastre deixaria sem água não apenas Belo Horizonte e os 50 demais municípios da bacia, mas a lama chegaria também a Bacia do Rio São Francisco.

Para saber mais sobre o tema, acesso o material disponibilizado pelo CBH Velhas: https://docdro.id/cK4DDrf

 

#Aja

Participe dos comitês

Você mesmo pode fazer parte de um comitê de bacia hidrográfica. Para isso, basta fazer parte alguma entidade da sociedade civil (tipo uma associação comunitária) e concorrer nas eleições que ocorrem periodicamente. Ao serem eleitos, os membros participam de reuniões mensais, que ocorrem sempre em algum desses municípios. 

Apesar de ser um trabalho voluntário, é papel de um conselheiro ser atuante, agindo de forma conjunta com os outros participantes, para que possam ser efetivos os debates e decisões tomadas nas reuniões.

Caso não tenha o desejo ou disponibilidade para ser um conselheiro, mas queira participar dos trabalhos de um comitê, as reuniões são abertas e, se achar importante, você pode ir até lá fazer uso da palavra, dando opiniões ou fazendo denúncias.

 

 

Se você está em Minas Gerais, descubra no mapa a qual bacia hidrográfica a sua região pertence: link

Clique aqui e acesse o comitê de bacia referente ao seu município: link

Por aqui você acessa o site dos comitês de bacias dentro do estado link

Utilize a plataforma do Lei.A e saiba onde são os locais de captação de água de seu município: link

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1 Comment

  1. […] Marcus Vinicius Polignano (coordenador-geral do Fórum Mineiro de Comitês de Bacias) | Segundo ele, as “Regiões de Gestão” e as “Unidade Estratégicas de Gestão”, previstos no Plano Estadual de Recursos Hídricos, devem coexistir com as bacias, e não substitui-las. “O papel da Unidade Estratégica seria para planejamento e monitoramento, não seria para aplicação de instrumento de gestão”, afirma. Também criticou a mudança da lógica territorial das bacias, com base em atividades econômicas causadoras de impacto. “Não podemos transformar a questão da discussão de recursos hídricos para uma atividade finalística única. Diz a lei que nós temos que garantir os usos múltiplos, e não transformar isso numa agenda econômica direcionada a setores específicos”, completa.  Por fim, Polignano criticou a insinuação do governo de que o modelo atual de gestão pelos comitês é ineficiente, sendo que, na verdade, é o próprio governo quem tem contingenciado os recursos que deveriam  estruturar o trabalho dos comitês (sobre isso, clique aqui e releia o que publicamos).  […]

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