Após 10 anos em discussão na ALMG, novela da expansão da Unidade de Conservação ganha novo capítulo com substitutivo proposto pelo Executivo ao projeto original já aprovado em 10 turno
Texto alternativo do Governo de Minas possui área de expansão maior, mas formada por eucaliptal e “mata seca” em estágio de regeneração e menor proteção aos mananciais que abastecem milhares de pessoas na Belo Horizonte
A Estação Ecológica de Fechos, assentada no torrão Sul da Serra do Espinhaço, no município de Nova Lima, foi criada em 1994 para preservar a bacia do Ribeirão dos Fechos e remanescentes de Mata Atlântica. Desde 1982, a região já era área de proteção especial devido à riqueza de seus mananciais. A água vinda de Fechos abastece milhares de casas e prédios de Belo Horizonte.
De 2012 para cá, tramitaram na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) diversos projetos de lei para expandir os limites da E.E. Fechos. Todos visavam incorporar nascentes, zonas de recarga hídrica e cursos d’água à área protegida pela Unidade de Conservação, de modo a fortalecer a segurança hídrica da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Ao contrário dos anteriores, o PL 96/2019, de autoria da deputada Ana Paula Siqueira (Rede), avançou e já foi aprovado pelo Plenário da ALMG em 1º turno, recebendo 30 votos favoráveis e um contrário. Todavia, desde que voltou à Comissão de Meio Ambiente, o PL travou. Diversas diligências, com solicitações de informações, foram endereçadas ao Governo de Minas, atrasando a tramitação ordinária.
Todas essas idas e vindas originaram uma proposta alternativa ao projeto atualmente em tramitação na ALMG. Elaborada pela Secretaria de Desenvolvimento Econômico (Sede) e endossada pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Semad), a proposta altera consideravelmente a expansão de Fechos defendida no PL 96/2019.
Mas por que o Governo de Minas quer alterar um projeto que ele próprio já havia endossado? Nós, do Observatório de Leis Ambientais (Lei.A), a pedido de moradores de Belo Horizonte e organizações da sociedade civil que defendem a E. E. de Fechos, fomos estudar a nova proposta e entender seus prós e, principalmente, seus contras em relação ao texto original já aprovado em 1º turno.
#conheça

O que está em jogo?
Em 602 hectares, a Estação Ecológica de Fechos guarda 14 nascentes, cuja vazão atende a 200 mil pessoas, em 38 bairros de Belo Horizonte, Nova Lima e outros municípios. O território abriga também espécies nativas endêmicas e em extinção, sendo considerado um hotspot de biodiversidade devido ao encontro dos ecossistemas da Mata Atlântica e do Cerrado.
Quer ver para ter uma ideia? Assista ao vídeo do movimento “Fechos Eu Cuido!”.
Com os anos, a Estação Ecológica passou a sofrer a pressão de loteamentos imobiliários e da atividade minerária. Hoje, ela encontra-se cercada pelas minas de Capão Xavier, Mar Azul, Abóboras e Tamanduá, e degradada pelo esgoto sem tratamento de condomínios como o Jardim Canadá.
Nada menos que 60% de toda água tratada pela ETA (estação de tratamento de água) Morro Redondo – cuja qualidade é considerada excelente, segundo a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) – vêm de Fechos. De lá, abastecem todas as torneiras da região centro-sul de Belo Horizonte.
Porém, a vazão do ribeirão do Fechos vem caindo e é comum que a captação para o abastecimento público seja interrompida no período chuvoso devido ao volume de lixo e de esgoto no curso d’água.
Quer entender melhor como funciona? Clique e amplie o passo a passo abaixo.

Para preservar e recuperar as nascentes, e fortalecer a recarga dos mananciais da região, é preciso manter áreas verdes que promovam a infiltração da água no solo, permitindo a recomposição dos aquíferos. Daí a intenção de expandir a área protegida à Sudeste de Fechos, a única adjacente ainda não ocupada por loteamentos ou pela mineração.
Um exemplo de área contígua a ser resgatada é o córrego Tamanduá, hoje fora da área da Unidade de Conservação. O Tamanduá é responsável, junto com outros mananciais, por abastecer o ribeirão Macacos, importante afluente do rio das Velhas, principal responsável pelo abastecimento de água de Belo Horizonte. Hoje, o Tamanduá está assoreado em vários pontos.
O que propõe o PL 96/2019, já aprovado em 1º turno?
O memorial descritivo do PL 96/2019 foi elaborado pelo Núcleo de Geoprocessamento do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (clique aqui e conheça). Sobre ele, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) se pronunciou favoravelmente por meio de nota técnica, de maio de 2020, ressaltando a importância da expansão devido à proteção das nascentes e dos campos rupestres ferruginosos – ou “canga”, formação muito favorável à permeabilidade do solo, contribuindo para a recarga dos aquíferos, além de abrigo de notável biodiversidade endêmica.



A Comissão de Meio Ambiente da ALMG, a quem cabe apreciar o mérito da proposição, deu parecer favorável ao texto em sessão realizada no dia 25 de agosto de 2021, que seguiu então para o Plenário, para votação em 1º turno, onde foi aprovado. Depois disso, o PL 96/2019 não saiu mais do lugar, e segue aguardando o parecer em 2o turno da Comissão de Meio Ambiente.
O que propõe o Governo de Minas com o texto alternativo
Nesse ínterim, em junho de 2022, foi enviado à Comissão de Meio Ambiente da ALMG um parecer elaborado pela Secretaria de Estado de Desenvolvimento (Sede), com o aval da Secretaria de Meio Ambiente (Semad), com uma proposta de texto alternativo ao PL 96/2019.
Embora não haja no documento nenhuma justificação sobre por quê alterar o conteúdo do PL, apesar dos pareceres favoráveis produzidos pelos próprios órgãos do Executivo, a área atualmente pertence à mineradora Vale, que supostamente pretende expandir a infraestrutura de suas operações sobre o perímetro.
Segundo o substitutivo proposto pelo Governo de Minas, a área expandida da E.E. Fechos poderia aumentar de 222 hectares para 250 hectares a partir da “permuta” de espaços previstos anteriormente por glebas em novas localidades (vide mapa logo abaixo, com a sobreposição das duas propostas).
A própria nota técnica do Governo de Minas faz alusão à questão da inclusão, nos novos limites da E.E. Fechos, de trechos não contíguos à Unidade de Conservação – isto é, espaços descontínuos, ou isolados dos outros. No entanto, segundo o documento do Executivo, há a projeção de que eles “podem vir a formar um ótimo corredor ecológico com outras Áreas de Proteção Permanente dos cursos d’água” (p.161).

O documento também admite que a qualidade ambiental das novas áreas é sensivelmente inferior ao perímetro traçado originalmente pelo PL 96/2019. Chama atenção a redução da área protegida formada por campos rupestres ferruginosos (canga), o mais importante para a recarga hídrica – dos 124 hectares originais, a proposta do Governo de Minas reduz para 91 hectares.
Dos acréscimos de território novo propostos pelo Executivo, a maior parte é formada por áreas de menor relevância ambiental e hídrica, como 18 hectares de eucaliptal e 43 hectares adicionais de Floresta Estacional Semidecidual, também conhecida como “mata seca”, em estágios médio e avançado de regeneração.
Os dados sobre cobertura vegetal e uso do solo foram disponibilizados ao Governo de Minas pela própria mineradora Vale. A tabela a seguir traz a comparação das duas propostas, segundo o documento.
#monitore
E a água, como fica?
O substitutivo elaborado pelo Governo de Minas mantém a inclusão de parte da sub-bacia do córrego Tamanduá, presente também no texto do PL 96/2019, e adiciona glebas localizadas na sub-bacia do ribeirão Macacos e na do ribeirão Capitão da Mata, “em que pese apresentar redução dos sistemas de cobertura sedimentares e de formação ferrífera” (pp. 163) – a mais importantes.
A proposta do Executivo agrega à área duas nascentes na bacia do córrego Macacos, mas também reduz em 3% a área do sistema de coberturas sedimentares e de formação ferrífera na bacia do córrego Tamanduá, “o que pode resultar em uma redução local da recarga no sistema supracitado”, segundo documento (pp. 163).
Com a palavra, os proponentes
Nós, do Lei.A, perguntamos aos proponentes das duas iniciativas, a deputada Ana Paula Siqueira (Rede), autora do PL 96/2019, e a Secretaria de Governo do Estado de Minas Gerais, por que defendem suas respectivas posições. Assim que recebermos a resposta do Governo de Minas, incluiremos.

#aja
Após dez anos de tramitação, o PL que expande a Estação Ecológica de Fechos, crucial para a segurança hídrica da RMBH, deve ir em breve à votação em 2º turno no Plenário da ALMG. Mas qual texto vai a voto? O aprovado pela ALMG em 1º turno, endossado pelos órgãos ambientais do próprio Executivo, o substitutivo do Governo de Minas?
A efetividade da proteção almejada com a expansão da E.E. Fechos pode variar bastante, dependendo do texto final. E você? O que pensa das propostas para preservar um dos principais mananciais da Grande BH? Cutuque o seu deputado. Pergunte como ele pretende votar, cobre dele um posicionamento e faça chegar a ele qual é o seu.
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