Concessão de Unidades de Conservação é privatização?

Nós, do Lei.A, explicamos o debate sobre a concessão dos parques estaduais em Minas Gerais.

Interesse privado ou interesse público? Com esse conteúdo, ajudamos você a conhecer, monitorar e agir.

Em outubro deste ano, o Governo do Estado de Minas Gerais anunciou a concessão para a iniciativa privada dos serviços de visitação pública dos Parques Estaduais do Ibitipoca e do Itacolomi, localizados no município de Lima Duarte e Mariana/Ouro Preto, respectivamente.

Em 2021, o governo estadual já havia concedido a Rota de Grutas Peter Lund, incluindo áreas localizadas no Parque Estadual do Sumidouro, no Monumento Natural Estadual Gruta Rei do Mato, no Monumento Natural Estadual Peter Lund e outras extensões nos municípios de Pedro Leopoldo e Lagoa Santa, Sete Lagoas e Cordisburgo, respectivamente. 

Mas, afinal, o que é a concessão de parques? O estado está privatizando as unidades de conservação? O que é unidade de conservação?

Nós, do Observatório de Comunicação (Lei.A), estudamos e buscamos diversas informações didáticas para explicar mais sobre o tema para você e assim, lhe ajudar a se posicionar sobre a polêmica da transferência de serviços ao setor privado em unidades de conservação no estado.

#conheça

As unidades de conservação: do lazer ao crime ambiental

É provável que você já tenha visitado alguma unidade de conservação para nadar em cachoeiras, fazer uma caminhada, se deslumbrar com a paisagem ou simplesmente para pensar sobre florestas e nascentes de água. Em Minas Gerais, o Parque do Itacolomi e o Parque do Ibitipoca  são exemplos.Mas, em primeiro lugar, o que são unidades de conservação?

Entenda o que são as unidades de conservação e as ameaças ao sistema que as rege assistindo esse vídeo que nós, do Lei.A, produzimos há 3 anos, mas que permanece atual:

As unidades de conservação, constantemente, estão nos noticiários por questões positivas, como dicas de turismo ou reportagens sobre natureza e também por assuntos negativos, como desmatamento, queimadas e garimpos ilegais. Em 2019, em Minas Gerais, elas voltaram ao centro do burburinho quando o Governo do Estado lançou o Programa de Concessão de Parques Estaduais (Parc). A partir dele, criava-se arcabouço legal para a transferência à iniciativa privada de exploração dos serviços turísticos das unidades de conservação administradas pelo estado, em especial dos parques estaduais.

Como dito antes, os parques são categorias de unidades de conservação criados para a preservação dos ecossistemas naturais e da beleza cênica, possibilitando a realização de pesquisas científicas e o turismo ecológico. Nesses espaços cujas áreas devem ser propriedade pública, a lei determina que os ecossistemas estejam livres de alterações causadas por interferência humana, admitido apenas o uso que não envolve o consumo, a coleta, o dano ou a destruição dos recursos naturais.

De acordo com o governo estadual, os parques mineiros possuem o potencial de melhorar o ecoturismo com maior visitação, geração de empregos e aumento do Produto Interno Bruto (PIB) com a oferta de um serviço público de melhor qualidade. 

São essas unidades de conservação – os parques – que são objeto do polêmico programa lançado pelo governo, o Parc. Nele se propõem atividades e serviços para a concessão como “transporte interno, loja de produtos, camping, serviços de hospedagem, atividades de aventura, venda de ingressos e controle de acesso com serviços online, serviços de alimentação, centro de visitantes, estacionamento e aluguel de equipamentos”.

O governo vê como benefícios “a ampliação das ofertas de serviços, diversificando as opções de lazer, a melhoria e inovação nas infraestruturas, ampliação da acessibilidade e segurança nas trilhas, redução do custo público na manutenção das unidades de conservação, a atração de diferentes públicos com maior sensibilização da sociedade para causas ambientais, ampliação de oferta de produtos associados e geração de emprego e renda”.

Ainda segundo o governo, Minas Gerais não teria condições de desenvolver as atividades de apoio à visitação pública, seja pela burocracia que envolve a execução de atividades econômicas, seja pelo déficit de receita pública para investimento nessas atividades.

Aqui você confere todas as informações sobre o programa lançado pelo governo.

A concessão dos parques é uma novidade criada em Minas Gerais? 

A ideia da transferência para a iniciativa privada dos serviços de visitação de unidades de conservação vem do modelo norte-americano e foi reproduzido em outros países como a África do Sul, baseado na visitação pública desses espaços protegidos.

Cláudio Maretti, ex-presidente e ex-diretor do Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBio), pesquisador e pós-doutor em Geografia, conversou conosco sobre as origens das concessões e as primeiras concessões brasileiras de unidades de conservação.

Sobre os exemplos estrangeiros, Maretti nos conta como funcionam as concessões na África do Sul e nos Estados Unidos.

Desvio de finalidade para privatizar? 

Ambientalistas criticam a justificativa de que o estado é ineficiente e incapaz de realizar certos serviços dentro de unidades de conservação. Também sustentam que o objetivo de uma unidade de conservação não é a exploração de atividade econômica, mas sim a preservação e conservação dos atributos naturais, e que, de acordo com a Lei do Snuc, o turismo é possível e não obrigatório.

E, mais, que colocar uma empresa privada dentro de uma área pública é abrir a porteira para que toda a administração dos recursos naturais caia na mão da iniciativa particular. Assim, alegam que ao transferir para a iniciativa privada, estar-se-ia privatizando a unidade de conservação.

As críticas ao Parc não ficam apenas na retórica. Os ambientalistas também apresentam uma proposta alternativa: bastaria o fortalecimento dos órgãos gestores das unidades de conservação e vontade política para que o Estado tenha a capacidade de gerir a visitação pública.

Mas, afinal de contas, a dita concessão é privatização ou não?

O que é concessão?

Basicamente, na concessão, o Estado transfere para uma ou mais empresas a execução de determinados serviços e atividades de interesse coletivo (estacionamento público, entrada em áreas públicas, por exemplo) ou o uso de um bem público (terras públicas, por exemplo). Por ser um serviço público ou um bem público e beneficiar toda a coletividade, deveria ser executado e usado pelo Estado. Mas o Estado decide transferir para particulares sob a sua fiscalização. No contrato são estabelecidas condições que a empresa deverá cumprir e prazos para a retomada dos serviços ou do uso pelo poder público.

Já a privatização é a transferência pelo Estado, geralmente através da venda, da propriedade de um bem público para a iniciativa privada. O Estado perde toda a gerência ou poder sobre aquele bem privatizado.

A advogada Carolina Corrêa Moro, doutoranda em Ciência Ambiental, integrante do Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (Opap), nos explica que a inclusão do setor privado no desenvolvimento de políticas públicas popularizou-se como privatização. Mas no caso das unidades de conservação, o termo mais correto é concessão e que não há ainda casos de privatização completa de unidades de conservação no Brasil.

Para Carolina Moro, atividades de apoio mais complexas como canoismo, hotelaria e alimentação demandam recursos e especialidades que o setor público não dispõe, o que justificaria essa transferência para o setor privado.

Na mesma linha de raciocínio, Maretti vê que o modelo de concessão brasileiro deve ser de transferência apenas de atividades de apoio.

Concessão x Privatização: não existe uma “terceira via”?

A concessão não é o único modelo disponível. Outros instrumentos podem ser utilizados como autorizações e permissões de uso para pessoas físicas e jurídicas, e termos de parceria, de fomento e de colaboração, e acordos de cooperação com organizações não governamentais. 

Alguns desses modelos podem ser mais inclusivos para serem benéficos para pequenos empresários, comunidade do entorno e associações sem fins lucrativos.

Cláudio Maretti relata alguns casos no Brasil que se tenta estabelecer uma parceria do Estado diretamente com as comunidades, sem a interferência de empresas.

E para ele, a concessão, entre outros instrumentos, é o meio para possibilitar que as pessoas tenham garantido o direito à visitação pública, uma vez que, conceitualmente, os Parques nascem da ideia do binômio conservação x visitação. Assim, o Estado teria a obrigação de viabilizar a visitação.

#monitore

O edital de concessão e a reação dos vizinhos dos parques

Em 18 de outubro de 2022, foi publicada a concorrência para a concessão dos parques estaduais do Ibitipoca e do Itacolomi. Empresas podem participar para obter o direito de exploração econômica de atividades de ecoturismo e visitação, bem como serviços de gestão, operação e manutenção dos atrativos existentes e a serem implantados nesses parques. O edital que prevê as regras da concorrência e o objeto da concessão, além dos demais documentos podem ser acessados aqui.

Diversas dúvidas e questionamentos permeiam as comunidades do entorno de unidades de conservação que possam ser concedidas. Desvalorização do comércio local, perda de empregos e renda, valor dos ingressos, elitização da visitação, preservação dos atributos naturais entre outros temas estão na cabeça das pessoas que vivem próximas aos parques que devem ser concedidos para a iniciativa privada.

No entanto, adverte Cláudio Maretti, limites têm que ser impostos pelo poder público no edital de concessão como limitação de visitantes, capacidade de carga, sem desobrigar o Estado de realizar a fiscalização. E, para ele, questões mais complexas como a qualidade de atendimento ao turista e a alunos para educação ambiental têm também que ser cumpridas.

Nós, do Lei.A, conversamos com moradores de Conceição do Ibitipoca e de Ouro Preto para saber qual a opinião sobre as concessões dos Parques do Ibitipoca e do Itacolomi. 

Luiz Carlos Teixeira é presidente da Força Associativa dos Moradores de Ouro Preto (Famop), que representa várias associações de moradores de bairros e distritos. A Famop, inclusive, tem assento no Conselho Consultivo do Parque Estadual do Itacolomi. Ele destaca que a concessão dificultará o acesso da população de Ouro Preto ao Parque e será tomado por um público que não é da região. Diz também que a concessão é parte de um processo de precarização da “coisa pública”.

Também contrário à concessão, Fred Fonseca, morador da vila de Conceição do Ibitipoca, município de Lima Duarte, e membro do Instituto Candeia de Cidadania, disse que o Parque é um “espaço que deve ser feito para a preservação e não para gerar lucro”. Ele demonstrou preocupação com o futuro da vila de Ibitipoca e os impactos que a concessão poderá causar através do aumento do fluxo de turistas sem que o local tenha a estrutura suficiente para suportá-los.

A juíza de Lima Duarte Silvia Paiva de Souza Ramos Musse chegou a atender um pedido do Ministério Público de Minas Gerais para que a concessão dos Parques de Ibitipoca e Itacolomi fosse suspensa devido à falta de participação da comunidade no procedimento (processo n° 5000217-58.2022.8.13.0386). No entanto, o Tribunal de Justiça de MG acolheu recurso do IEF e determinou o prosseguimento da concessão (Agravo de Instrumento nº 1.0000.22.176593-6/001).

Como andam as concessões em MG e no país

O Observatório Lei.A identificou que atualmente existem 188 projetos de concessões de unidades de conservação no país ou outras formas de participação da iniciativa privada na gestão desses espaços protegidos em curso ou paralisados. Os dados foram obtidos do Radar PPP, uma empresa especializada na organização de informações públicas sobre o mercado nacional de parcerias público privadas (PPPs) e concessões.

Em Minas Gerais, são 7 projetos em curso (com contratos ou em andamento).

Atualmente no país, existem 74 Parques Nacionais administrados pelo ICMBio. Desses, 23 estão qualificados para fins de concessão e 13 já possuem contratos. Veja abaixo o nosso infográfico.

Foto: Rômulo Nery | Correio de Minas | Serra da Canastra
Parque Nacional de Foz do Iguaçu | Foto: Poder 360

O Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (Opap) também faz o mapeamento das parcerias em unidades de conservação no Brasil. Acesse https://www.opap.com.br/mapa e confira todos os processos de parceria em andamento.

Preservação x turismo

Ponto polêmico acerca da transferência de determinadas atividades para o setor privado é a (im)possibilidade de se equilibrar a preservação com a visitação pública. O temor dos ambientalistas é de que o objetivo de preservação dos ecossistemas das áreas protegidas possa ser colocado em segundo plano a partir do momento que uma empresa que visa ao lucro possa explorar o território. Em outras palavras, o interesse privado da empresa pode acabar prevalecendo sobre o interesse público de preservação ambiental.

Para Maretti, a visitação pública das unidades de conservação deve proporcionar a conexão do ser humano com a natureza, sob pena de se materializar a paisagem ou o atributo natural da área protegida como um bem artificial.

O respeito ao plano de manejo da unidade de conservação e a oitiva dos conselhos gestores das áreas protegidas são fundamentais para garantir o equilíbrio entre a preservação e o turismo.

O turismo ecológico em MG

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) 2020-2021 Turismo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Minas Gerais foi o segundo estado mais procurado para viagens em todo o Brasil.

A pesquisa constatou que 25,56% das viagens por motivo de lazer são relacionadas à natureza, ecoturismo ou aventura. Ou seja, mais de 1/4 das viagens dos brasileiros têm o meio ambiente natural como principal razão.

O Observatório do Turismo de Minas Gerais publica indicadores sobre a visitação em 19 unidades de conservação desde 2011 e o número de visitantes tem aumentado após o período pandêmico.

#aja

Nós, do Lei.A, fizemos esse conteúdo para que você esteja preparado para conhecer o processo de concessão das unidades de conservação, possa monitorar como andam as concessões já em curso e, enfim, se posicionar a favor ou contra, agindo para a melhoria do processo de concessão, para que outros modelos sejam adotados ou para que novas concessões não sejam implementadas.

Nos processos de concessão são previstas consultas públicas através de reuniões e audiências e também por manifestação escrita.

O Observatório de Parcerias em Áreas Protegidas (Opap) publicou um estudo sobre como se dá o controle social de parcerias em unidades de conservação. O estudo explica o que é controle social, quais as modalidades de parcerias em unidades de conservação, os instrumentos de controle social da parcerias e as etapas de planejamento, implementação e monitoramento. Acesse o estudo aqui.

Indicamos, também, nosso conteúdo com dicas de unidades de conservação para visitar em nosso estado. Acesse https://leia.org.br/lei-a-indica-seis-unidades-de-conservacao-para-visitar-em-mg/ .

Faça um turismo ecológico consciente.

Uma ideia não pode sair da cabeça: o objetivo primordial – a razão de existir – das unidades de conservação, atrelado ou não ao turismo e lazer, sempre será a preservação dos ecossistemas para garantir o equilíbrio do meio ambiente e proporcionar uma vida sadia. Portanto, aja!

Compartilhe em suas redes

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on email

Mais recentes

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *