Segundo episódio da série especial do Lei.A mostra como a Serra do Curral, o maior patrimônio natural tombado de Belo Horizonte, vem sendo destruído
No segundo episódio da série “Belo Horizonte, Meio Ambiente e Eleições 2020”, nós, do Lei.A, vamos falar sobre a reconfiguração da paisagem da capital mineira através da destruição da Serra do Curral, esse patrimônio natural escolhido pelos próprios moradores como maior símbolo da cidade.
A Serra do Curral é uma formação rochosa de dois bilhões e quatrocentos milhões anos. Um presente da natureza que foi utilizado pelo engenheiro Aarão Reis ao apresentar, em 1895, o projeto da nova capital mineira. Na planta feita por ele, destacava-se a enorme importância dada à vista da Serra, de onde se poderia observar toda a cidade planejada que iria ser construída ao pé desse conjunto de montanhas. Era como uma moldura para a nova capital. Em clara referência à beleza da paisagem, ela foi a inspiração para que o território aos seus pés viesse a ganhar o nome de “Belo Horizonte”.
Conjunto montanhoso que se relaciona ao clima, à água, à qualidade do dar, à paisagem e que faz parte da história, em 1997, pouco mais de um século depois da criação da capital, a Serra do Curral foi eleita pelos belo-horizontinos como seu símbolo maior. Em uma votação popular, ela venceu uma acirrada disputa com o Conjunto Arquitetônico da Pampulha e a Praça da Liberdade.
Com todos esses atributos, atualmente ela é protegida por tombamentos municipal e federal (o tombamento estadual está em curso).
Porém, esses mecanismos de proteção não têm sido suficientes para mantê-la resguardada. O Lei.A já trouxe um vasto conteúdo sobre isso numa outra série especial, “Os caminhos da destruição na Serra do Curral” (link). Por ser um território repleto de jazidas minerais, ela se tornou, desde a metade do século passado, uma verdadeira área de perfuração para as mineradoras, além de ser alvo da ocupação imobiliária por diferentes classes sociais.
A destruição desse território, que ocorre sem qualquer controle ambiental efetivo, vem gerando consequências, uma delas é a degradação paisagística. Mas como isso vem acontecendo? E que consequências têm? A reconfiguração do horizonte que deu o nome e identidade à cidade é o tema do segundo episódio da série sobre Belo Horizonte.
Nosso desejo de trazer para a população o caso das agressões constantes ao conjunto de montanhas símbolo da capital mineira, nos motivou a falar da reconfiguração paisagística da capital através da exploração desordenada da serra por uma minoria, ficando as consequências negativas para o restante da população. E fica a pergunta para reflexão durante a leitura:
Você está vendo algum candidato a prefeito de Belo Horizonte falar sobre a Serra do Curral?
Você, que não é morador ou eleitor de Belo Horizonte, está vendo algum candidato a prefeito da sua cidade falando sobre áreas naturais protegidas na sua cidade?
#conheça
Cadê o Belo Horizonte
Descrever a Serra do Curral é falar de história. O local foi considerado o marco geográfico do arraial do Curral del Rey, povoado que surgiu aos seus pés na primeira década do século XVIII. Desde o início da ocupação da região do Rio das Velhas, a partir da segunda metade do século XVII, a Serra foi considerada um ponto de orientação para aqueles que adentravam o sertão para chegar ao arraial. Assim, ela serviu de referência para os bandeirantes que vinham pelos caminhos das minas gerais em busca de riquezas e se tornaria o símbolo maior da capital.
Em 1919, quem desembarcou na nova capital mineira e apontou imponência desse paredão foi um jovem de 17 anos, com quase a mesma idade dela (Belo Horizonte recebeu a denominação atual em 1901), chamado Juscelino Kubitschek. Ele, que vinha realizar os exames do concurso para telegrafista da Agência Central de Belo Horizonte, nas décadas seguintes se tornaria prefeito da capital, governador do estado e presidente do país, recordou em suas memórias: “A cidade, nova e em plena expansão, vivia mais do cenário em que fora construída. Uma verdadeira cinta de serranias fechava o horizonte, no qual se destacava festivais de cores ao amanhecer e ao pôr-do-sol”.
Porém, foi justamente no seu período à frente da prefeitura capital (1940-1945) e depois do governo do estado (1951-1955) que iniciou-se a descaracterização desse território. Foram nessas décadas que começaram as grandes minerações na Serra do Curral. O geógrafo Alessandro Borsagli, que mantém um rico acervo na internet com informações, ilustrações, documentos e artigos sobre a história da capital (curraldelrey.com), aponta a chegada de mineradoras como o Mannesmann, em meados da década de 1950, no bairro Olhos D’água, e, posteriormente, a exploração da Mina de Águas Claras e da Mina das Mangabeiras como marcos do início das grandes minerações na Serra do Curral.
“Belo Horizonte não veio parar nessa região à toa. Veio também por causa da questão das minas de ferro, que foi um segredo muito bem guardado por Portugal até 1808, tanto que a partir da década de 1940 já se vislumbra a exploração de minério do Quadrilátero Ferrífero. Coisa que começou a acontecer efetivamente na década de 1950, na qual a Serra do Curral e a região das Águas Claras estavam dentro desse pacote de concessões dadas por JK (Juscelino Kubitschek). Quando já era presidente da República, ele já deu essas concessões à Hanna Corporation do Estados Unidos”, conta ele.
Nos anos de 1960, a exploração do minério de ferro no território da Serra ganhou enormes proporções. Como já tratamos em um texto anterior (link), nesse período, a Ferro Belo Horizonte S/A (Ferrobel), um empresa estatal, comandada pela Prefeitura de Belo Horizonte, se instalou na área hoje ocupada pelo Parque das Mangabeiras. Ali, explorou a chamada Mina das Mangabeiras, além das chamadas jazidas Cercadinho e Barreiro, até ser desativada em 1979 para a implantação do parque.

Mina da Ferrobel em pleno funcionamento, na Serra do Curral.
Fonte: www.curraldelrey.com
Paralelamente, do outro lado da Serra do Curral, no município de Nova Lima, houve uma destruição enorme causada pela exploração da Mina de Águas Claras, da então Minerações Brasileiras Reunidas S/A (MBR). Esta exploração se iniciou em 1973 e durou quase trinta anos, sendo desativada em 2002. A empresa deixou no local um buraco que ultrapassa a 200 metros de profundidade e uma devastação de cerca de 2.200 hectares (2.200 campos de futebol), que hoje pertence à Vale. Com o fim da mineração no local, o lençol freático vem ainda hoje subindo e ali existe atualmente um enorme buraco coberto pela água poluída pelos rejeitos da atividade.
“A mina de Águas Claras mudou o perfil da Serra do Curral para sempre. Foi um rebaixamento considerável de mais de um quilômetro e meio de extensão. Tanto que as gerações de vinte, trinta anos para cá olham para a serra e nem imaginam que ali já houve um alinhamento montanhoso muito mais bonito e muito mais interessante, que inclusive faz parte do brasão do município de Belo Horizonte. Se a gente fosse olhar a grosso modo o brasão teria que ser alterado porque uma parte das montanhas já não existe mais”, afirma Borsagli.

Cava da Mina de Águas Claras, hoje propriedade da Vale S.A. Fonte: Google Maps
#monitore
Degradação paisagística: mineração e expansão imobiliária
Um dos principais e mais característicos impactos causados pela atividade minerária é a degradação visual da paisagem. O modelo adotado para a exploração do minério de ferro no país é a chamada lavra a céu aberto. Esse modo de exploração requer desmatar uma determinada área e retirar o solo fértil, chamados pelas mineradoras de “estéril”, devido ao baixo teor de minério. Elas o acumulam, via de regra, sem nenhuma técnica, ao lado ou nas vizinhanças da mina explorada.
A área minerada é recortada em blocos, deixando no local a imagem de degraus sem vegetação, expostos aos efeitos climáticos e a processos erosão. Grandes crateras e lagos, paredões e áreas devastadas são produtos da mineração. Cenário que hoje podemos encontrar em vários pontos da Serra do Curral.
Esse modelo de exploração, desenvolvido sem qualquer controle de proteção ambiental, tem modificado há décadas a paisagem da Serra, fazendo com que atualmente ela apresente em algumas áreas um rebaixamento de seu relevo. Vale dizer que isso não é algo recente, ainda que atualmente continue acontecendo (link). Já no fim dos anos de 1970, havia protestos de diversas entidades, que utilizavam o slogan “Olhe bem para as montanhas” buscando a proteção da área. Essas mobilizações culminaram com a criação do Parque das Mangabeiras em 1982.

Parque das Mangabeiras
Outro fator importante para a degradação da paisagem da serra é a verticalização da cidade. A partir da década de 1960 se iniciou a ocupação das partes mais altas de Belo Horizonte, próximas à Serra do Curral. Nessa época, as camadas mais abastadas da população abandonaram a área central da cidade, que enfrentava o problema do inchaço populacional e passaram a ocupar o pé da Serra. A expansão de bairros como Anchieta, Cruzeiro e Serra, e a abertura dos bairros Mangabeiras e Comiteco, paralelamente ao prolongamento da Avenida Afonso Pena, selaram a ocupação das áreas mais baixas da Serra do Curral na porção do município de Belo Horizonte.
Foi nessa época que as populações mais pobres também ocuparam a região. O chamado Aglomerado da Serra se adensou, com o deslocamento da população da antiga favela do Pindura Saia, que ficava nas áreas ao entorno da Avenida Afonso Pena. Muitos moradores se assentaram nas áreas mais altas da Serra, o que promoveu danos consideráveis ao meio ambiente, assim como na região ocupada pelos casarões do Mangabeiras.
Borsagli nos lembra em seu blog que o adensamento da cidade, com a construção de enormes edifícios, alterou a perspectiva que se tinha de todas as regiões da capital, singular devido ao planejamento de Aarão Reis. Atualmente, das partes mais baixas da capital enxergam-se apenas fragmentos da Serra, sendo que a única parte que permanece bem visível hoje é o paredão da Serra, protegido por ser praticamente impossível de ser ocupado devido ao seu relevo acidentado.
Ou seja, nem belo, nem feio, o que cada vez menos se tem na capital mineira é horizonte.
#ReLeia
Para explicar ainda mais sobre a importância da Serra do Curral como sendo um bem tombado e que deveria estar sendo protegido, nós do Lei.A fomos conversar com a historiadora Michele Arroyo, presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). Ela já atuou na Prefeitura de Belo Horizonte, ocupando os cargos de diretora de Memória e Patrimônio Cultural, na Secretaria Municipal de Cultura, gerente de Patrimônio Histórico Urbano, na Secretaria Municipal de Política Urbana e diretora de Patrimônio Cultural, na Fundação Municipal de Cultura. Na esfera federal, foi superintendente em Minas Gerais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
#Aja
Questione os candidatos a prefeito e a vereador de Belo Horizonte
Se você é morador ou eleitor em Belo Horizonte, certamente, tem recebido centenas de disparos em grupos de whatsapp ou postagens e pedidos de “amizade” de candidatos a prefeito e a vereador. Pois bem, faça valer a lógica das redes sociais:
1 – Devolva a quem lhe enviou os disparos de whatsapp perguntas sobre o conhecimento do candidato sobre a Serra do Curral. Questione aos cabos eleitoriais e aos próprios candidatos, qual é a proposta dele para impedir a destruição que vem ocorrendo nesse patrimônio tombado.
2 – Crie hashtags denunciando a destruição na Serra do Curral e poste nos comentários de todas as postagens dos candidatos.
Monte a agenda ambiental da sua cidade. Mobilize. Monitore. Cobre!
Em tempos de eleições municipais, onde vamos eleger os próximos prefeitos e vereadores, aumenta a nossa responsabilidade cidadã de agir para evitar retrocessos ou exigir avanços na área ambiental.
Pensando nisso, nós, do Lei.A, montamos algumas sugestões do que você pode fazer. Serve também para quem não é de Belo Horizonte, pois em todo município, a defesa pelo meio ambiente deve ser prioridade de qualquer governante ou legislador.
Para quem não é de BH, deixamos a sugestão para que juntem um grupo de pessoas e façam uma ação voltada a fomentar a presença das pautas ambientais em todas as discussões e debates eleitorais. Segue o fio:
Passo 1 | Pesquise, descubra e liste especialistas e estudiosos sobre o Meio Ambiente da sua cidade. Peça a eles que detalhem as principais questões ambientais que deveriam estar na agenda de discussão dos candidatos.
Passo 2 | Edite esse conteúdo de forma a deixá-lo o mais simples possível. Afinal de contas, queremos que o máximo de pessoas possível compreenda os temas que iremos debater.
Passo 3 | Reúna um grupo de mobilizadores; exponha suas ideias; mostre a importância de impedir que as eleições passem sem que os temas ambientais se tornem compromisso dos candidatos.
Passo 4 | Mapeie veículos de imprensa, influencers digitais, grupos de discussões e até mesmo personalidades públicas nascidas na sua cidade e que se interessariam em ajudar nessa campanha. Lance nesse locais e junto a essas pessoas o desafio de propagar essas discussões até que cheguem aos candidatos.
Passo 5 | Crie uma ou várias hashtags relacionadas a esses pontos levantados e publique nas suas redes, marcando os candidatos ou, até mesmo, comente com a hashtag em todos os posts ou disparos que receber dos candidatos e de seus apoiadores. Peça que a rede que você criou no “Passo 4” faça o mesmo e de forma articulada.
Passo 6 | Todas as vezes que um tema ambiental estiver em discussão, exija um posicionamento concreto dos candidatos sobre essas temáticas e exponha aqueles que se negarem a se posicionar. Faça um print das respostas (ou a falta delas) para cobrá-los num segundo momento.
Passo 7 | Espalhe pela cidade (de forma física ou virtual) mensagens provocando as pessoas a pensarem a água, o lixo, o uso da terra, a exploração do solo, entre outras questões fundamentais para o futuro da cidade. Lembre a elas de pensar nisso quando forem votar.
Passo 8 | Depois das eleições, não deixe o grupo se desmobilizar.
Passo 9 | Compareça às reuniões públicas, como da Câmara de Vereadores e dos conselhos municipais de meio ambiente, urbanismo e patrimônio cultural. Esteja presente em solenidades públicas onde possa cobrar o prefeito sobre algum compromisso de campanha não cumprido.
Passo 10 | Mantenha uma rede de defesa do meio ambiente na sua cidade e incentive a presença desse tema nas rodas de discussões sobre política que você estiver.
Próximo episódio
No próximo episódio da nossa série “Belo Horizonte, Meio Ambiente e Eleições 2020”, vamos falar sobre um apelido lindo que a capital mineira ganhou por sua formosura e que hoje não tem feito tanto sentido: o de “cidade jardim”.