Belo Horizonte: 125 anos insustentáveis, e agora?

De “Cidade Jardim” ao soterramento de rios, catástrofes por enchentes, pressão econômica sobre áreas vedes e monumentos naturais, como a Serra do Curral

No aniversário da capital mineira, nós, do Lei.A, fomos entender os compromissos da administração pública com o futuro da cidade

Foto: Pedro Veneroso Flickr Cc

Belo Horizonte completa 125 anos, em 2022, de uma história, no mínimo, tensa e complexa na sua relação com o meio ambiente. Ela começa com o próprio plano de implementação da capital desenhado por Aarão Reis (1853-1936) que ignorou o traçado  dos rios e córregos da região, então conhecida como Curral del Rey, e o soterramento de diversos corredores de água. 

Viaduto Santa Tereza | Foto: Lili Batista

A herança da lógica desse traçado da cidade foi o desaparecimento dos cursos de água, fauna e flora para dar espaço a edifícios, ruas e avenidas. Hoje, a destruição de seu maior símbolo e monumento natural e histórico, a Serra do Curral, o avanço da especulação imobiliária sobre remanescentes de áreas verdes e catástrofes provocadas por enchentes são os principais destaques quando se pensa na relação entre Belo Horizonte e Meio Ambiente.

Quem mora ou trabalha em Belo Horizonte convive hoje com enchentes cada vez mais frequentes, períodos longos de secas e grande calor, em função dos impactos da escolha por um desenvolvimento centrado no asfalto e no concreto. Essa realidade não é exclusiva da capital mineira, afetando outras metrópoles como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador.  Até mesmo cidades menores já sofrem com a situação. E quem mais sente os impactos são as pessoas em situação de vulnerabilidade social das metrópoles. 

Há uma aparente crescente consciência de que com as mudanças climáticas agravando a situação é preciso planejar, agir e tentar mudar a rota do desenvolvimento urbano. Alguns governos municipais, mais estruturados, têm adotado mecanismos de monitoramento, planos de mitigação e estipulado metas em relação a redução de emissão de Gases Efeito Estufa (GEE) e adaptação a vulnerabilidade urbanas e sociais. 

Como exemplo dessas ações, no último dia de novembro de 2022, a Prefeitura de Belo Horizonte lançou o seu Plano Local de Ação Climática (PLAC). O documento estabelece uma série de diretrizes e metas a serem adotados pela administração pública municipal de forma a mitigar os efeitos da crise climática na cidade.

Porém, a sociedade civil, a real afetada ou beneficiada pela existência – ou falta – de planejamento para o enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas, pouco tem acesso ao que, de concreto, esses planos trazem. Por isso, nesse aniversário de Belo Horizonte, nós, do Observatório de Comunicação Ambiental (Lei.A), estudamos e trazemos mais detalhes didáticos sobre o tal PLAC da Prefeitura de Belo Horizonte.

#conheça

O PLAC de Belo Horizonte foi elaborado a partir de 2020 com adesão à campanha Race to Zero, das Nações Unidas (ONU), que procura incentivar governos locais a adotarem a meta de emissões zero de carbono em suas cidades e regiões. O documento da capital mineira diz trabalhar em torno de cinco princípios: 

• baixo carbono

• baseado na natureza

• equitativo e centrado nas pessoas

• resiliente

• circular

Como metodologia adotou o Green Climate Cities Program (GCC), desenvolvida pelo ICLEI uma organização não governamental, fundada em 1990, que quer funcionar como apoio técnico e fórum de discussão de governos locais para políticas ambientais. Fazem parte dessa rede mais de 2.500 governos locais e regionais em 130 países. 

Há três etapas no método usado pela prefeitura: Analisar, Agir e Acelerar. A primeira é o levantamento do contexto e dados relativos ao meio ambiente e desenvolvimento social. Na segunda (a qual o PLAC faz parte) deve-se traçar as ações a serem implementadas, estabelecendo prazos, ações e responsabilidades. Na terceira etapa se pensa em estratégias de envolvimento e engajamento social e institucional para aceleração da implementação das metas. 

O documento estabelece então três eixos estratégicos: “Mais vozes, menos desigualdade”,  “Mais vida, menos vulnerabilidade” e “Mais verde, menos Emissões”. Nesses pontos se reforça a atuação em torno dos processos de  “justiça climática”, “mitigação” e “adaptação”, que pelo diagnóstico do PLAC atacariam os dois principais desafios de Belo Horizonte: a desigualdade social e a grande emissão de gases de efeito estufa. 

O primeiro problema é percebido através do elevado índice de Gini, indicador de 0 a 1 que mostra o nível de bem estar social de uma sociedade ou grupo social. Quanto mais próximo de 01, maior a desigualdade. Belo Horizonte tem um índice de 0,61% aproximadamente, mais alto que a média do restante do Estado de Minas Gerais, apesar de ser a cidade que corresponde a 13% do Produto Interno Bruto (PIB) estadual. 

Já a emissão dos gases de efeito estufa (GEE) são provenientes principalmente da matriz de transporte focada nos automóveis. Essa conclusão é retirada a partir da análise de um estudo feito  regularmente pela própria prefeitura: o Inventário de Emissões de Gases de Efeito Estufa. Pelo estudo houve um pico de emissão em 2014, ano de Copa do Mundo, e desde então os índices têm decaído estando em 2021 no seu nível mais baixo desde 2009, ano em que o inventário começou a ser produzido.

Ações prevista no PLAC de Belo Horizonte

O Plano traça suas metas de curto (2024), médio (2030) e longo prazo (2050). Elas devem estar alinhadas com as metas do Acordo de Paris. As ações propostas foram construídas a partir das instâncias internas da Prefeitura de Belo Horizonte e depois de 4 oficinas com participação da população e organizações não governamentais. 

Nós, do Lei.A, destacamos alguns dessas ações previstas no Plano de Ação Climática de Belo Horizonte:

1 – Instituir o “Painel de Monitoramento de Indicadores Climáticos”, para que a população possa ter acesso aos dados de mudanças climáticas. A proposta é usar indicadores já existentes e novos em um painel acessível para que a população possa monitorar e acompanhar os indícios de sustentabilidade da capital. Dados como Qualidade do ar, Poluição sonora, das Emissões de Gases de Efeito Estufa, Justiça Climática, da Vulnerabilidade Climática e Socioeconômica, do Indicador de Felicidade e Sucesso Municipal (“BH Mais Feliz”), dos Indicadores do Observatório do Milênio/Painel de Indicadores ODS, do Índice de Áreas Verdes e Áreas Vegetadas, seriam consolidados nesse painel até 2030.

1 – Estruturar e promover Ações Territoriais. Nesse item, o plano prevê que a partir do levantamento feito no relatório “Análise de Vulnerabilidade às Mudanças Climáticas”, publicado em 2016, serão aplicadas ações contra enchentes e deslizamentos. No documento de seis anos atrás notou-se que as regionais mais vulneráveis foram a Norte, a Nordeste e a Leste. Estão previstas a realização de vistorias, monitoramento, deslocamento da população para novas áreas e habitações, obras de escoamento, planos de contingências, entre outros. Como uma das metas, por exemplo, se coloca a implementação de 18 projetos contra enchentes e deslizamentos até  2050.

2 – Fortalecer a política municipal de Apoio à Agricultura Urbana. O quesito proposto trata-se da continuidade e ampliação de programa já implementado pela prefeitura desde 2011, que procura incentivar as hortas urbanas através de apoio técnico e compra de parte da produção para a merenda escolar. Se coloca como uma das metas, por exemplo, a criação de 8 unidades Coletivas comunitárias por ano até 2030.

3 – Adotar Soluções baseadas na Natureza e priorizar os espaços de passagem da Trama Verde-Azul. Trata-se novamente de reforçar a ação, a princípio, já realizada através da adoção no plano diretor de princípios de ordenamento que incentivem e contribuam para “restauração e conservação de ecossistemas, serviços de adaptação climática, infraestrutura natural, gerenciamento de recursos naturais, entre outros”. Programas como “Selo BH Sustentável”, com foco na diminuição do consumo de água, energia e emissão de gases de efeito estufa devem ser aprofundados e ampliados. As metas são implementar 60 programas de microdrenagem, 4 projetos de requalificação ambiental e de macrodrenagem até  2050.

1 – Universalizar a Arborização Urbana através da ampliação da arborização das vias e dos espaços públicos de Belo Horizonte. O PLAC indica a necessidade da capital mineira implementar um programa de rearborização da cidade, atualizando o mapeamento de árvores feito em 2011 e criando a possibilidade de novos plantios em ruas e avenidas onde é possível estruturalmente. Como meta se pede o plantio de 30 mil árvores anualmente a partir de 2030, 100% de árvores nas vias possíveis de receberem, a criação de 8 mini florestas, zerar o corte ilegal de árvores entre ouras. O prazo para todas as metas é até  2030.

2 – Priorizar e acompanhar ações de mobilidade com maior potencial de efetiva redução de emissões de GEE. Nesse item o relatório aponta que a partir do Plano de Redução das Emissões de Gases de Efeito Estufa de Belo Horizonte (PREGEE) é possível traçar ações para diminuição dos GEE a partir de ações que foquem principalmente a mobilidade. Sejam elas aumentando as centralidades econômicas da cidade, promovendo o adensamento com áreas verdes e infraestrutura de mobilidade coletiva; realizar a substituição da frota de mobilidade por veículos de menor emissão; criar novos centros de distribuição de cargas na cidade para veículos menores e mais eficientes, entre outras ações com prazo até 2050.

3 – Priorizar e acompanhar ações de saneamento/resíduos com maior potencial de efetiva redução de emissões de GEE. Como ação para esse ponto, o plano propõe agir no sentido da conscientização e educação da população para incentivar a reciclagem e o reuso. Pela prefeitura deve-se ampliar a coleta seletiva nos bairros, implementar mais centros de tratamento de resíduos, fomentar ação pública e privada de compostagem entre outras iniciativas até  2050.

Estas são apenas algumas ações previstas no Plano de Ação Climática de Belo Horizonte. A maior parte delas prevê o aprofundamento, ampliação ou aceleração de projetos, programas e atividades já realizadas pela prefeitura. 

Assim, o documento propõe muito mais ser um parâmetro para organizar e consolidar a governança da prefeitura – indicando responsáveis e metas – do que um espaço de diagnóstico inédito ou de novas propostas. Ele contou a participação popular, principalmente, através de formulários e oficinas on-line, não é claro se isso ocorreu devido a pandemia ou se já seria adotado essa metodologia de consulta que restringe a possibilidade de participação da população. 

De certa forma, o Plano de Ação Climática é a  aplicação do modelo de gestão em voga no setor privado denominado de  ASG (Ambiente, Social Governança – ou ESG na sigla em inglês). Esse modelo consiste na adoção de estratégias e modos de gestão em que se leva em consideração o meio ambiente, as questões sociais e lucrativas das empresas.

#monitore

Planos de Ação Climática sem monitoramento podem ser apenas “boas intenções” ou peças de marketing político

O Plano de Ação Climática (PAC) não é uma iniciativa exclusiva da prefeitura de Belo Horizonte, tendo sido desenvolvido por cidades como Paris, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Campinas, Medellín, Barcelona, São Francisco, Quito etc. Ou seja, a maior parte das cidades médias e grandes de países que ratificaram o acordo de Paris. Mesmo os que saíram – como o caso dos Estados Unidos em 2017 com o governo Trump – algumas cidades decidiram por conta própria aderir ao acordo. 

No artigo “Análise comparativa de métodos para a elaboração de Planos de Ação Climática em escala municipal e metropolitana”, publicado em 2022 (antes da divulgação do PLAC de Belo Horizonte), pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais analisaram 14 planos de cidades de diversos tamanhos e países e apontaram algumas semelhanças e diferenças entre os planos. Todos, por exemplo, trabalham com as ideias de mitigação e adaptação, mas menos da metade (6) com o conceito de Justiça Climática. Todos também trataram de Governança, mas apenas 02 planos analisados indicam revisões periódicas de sua estrutura e o envolvimento de múltiplos atores no processo revisionário. Por outro lado, a ideia de monitoramento está arraigada, estando presente em 12 dos 14 planos.  

Os planos de ação climática, analisados, passaram pelas mesmas etapas de elaboração como  diagnóstico, contextualização e, quase todos (13), participação popular antes da criação do plano de ações e metas – mais ou menos precisas. Entre os planos das cidades brasileiras, os riscos climáticos que mais prevalecem são enchentes, deslizamentos e aumento extremo das temperaturas.

Por fim, o estudo apontou que apenas 6 PACs associam seus planos aos objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) da ONU para 2030. 

Os planos podem também funcionar como peças políticas, pois o plano de Nova York foi lançado no mesmo ano em que o presidente Trump decidiu retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, marcando assim uma diferença entre o prefeito da época, de partido de oposição, Bill de Blasio em relação ao ocupante da Casa Branca. 

Já o PAC de Paris – lançado em 2018 e revisado em 2020-  é possível dizer que é uma consolidação das plataformas políticas da prefeita Anne Hidalgo, que já foi cotada a ser candidata à presidência da França pelo Partido Socialista. Sua gestão tem sido reconhecida e propagada como modelo de governança municipal socioambiental. Entre as iniciativas mais famosas estão a disponibilização de bicicletas elétricas, redução de velocidade dos automóveis e restrição de circulação dos carros.  

Porém, os Planos de Ação Climática podem ser apenas um documento não muito condizente com a realidade se não houver cobranças e acompanhamento por parte da sociedade. A complexidade para isso está na diversidade de indicadores e ações espalhadas por uma quantidade enorme de programas e propostas. 

#aja

É preciso se organizar para cobrar que o Plano de Ação Climática seja implementado, como muitas ações são dispersas e já existentes é possível cobrar também através da Câmara Municipal de Belo Horizonte, seja pelas suas comissões ou através dos vereadores. 

O que podemos dizer é que a partir dos diagnósticos e planos criados pelas diversas administrações municipais, temos ferramentas para ter os próximos 125 muito mais verdes e justos. Basta ação política de todos. 

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