
Foto: Sandoval de Souza Pinto Filho.
Em que pese a iniciativa da ALMG de instituir a PEAB (Política Estadual para Atingidos por Barragens), uma efetiva atuação do Estado, no sentido de reduzir o risco e a escala das populações potencialmente atingidas por barragens, depende muito de leis que ainda não alcançaram boa efetividade nas suas aplicações, e que trazem consigo um grande aparato de atuação preventiva. São elas a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), Lei Federal 12334/2010, e a Política Nacional de Defesa Civil – Lei 12608 / 2012.
Mas um “atingido” é alguém que já sofreu um dano consumado. Uma proposta legislativa que busca regulamentar a ação do Estado nessas situações, antes de mais nada, deve ser amplamente divulgada e submetida a consulta pública antes de ir a Plenário. A população deve entender do que se trata, opinar e construir em conjunto com a Casa Legislativa uma lei que traga um mínimo de paz social, pois a que temos hoje, debaixo das barragens, sabidamente não é a ideal.
Uma política estadual voltada aos atingidos por barragens deve considerar as diferentes dimensões dessa denominação “atingidos”. Há aquele grupo de pessoas e populações atingidas fisicamente com a lama dos rompimentos, resultando em perda de vidas humanas, danos materiais e morais de toda ordem.
Há também as comunidades impactadas por remoções compulsórias, todas em decorrência de alterações das condições de segurança das barragens, seja por indicadores técnicos, perícias ou novas avaliações – como os fatos lamentáveis ocorridos em Barão de Cocais, Macacos, Antônio Pereira e outros mais, que estão se tornando rotineiros.
E há ainda um outro grupo de atingidos, esse mais amplo e complexo, difícil de estimar com precisão e de remediar, que são os atingidos em potencial. Isto é, pessoas e populações que moram debaixo, ou à jusante, como se diz no termo técnico, de grandes barragens. São as famílias que vivem nas “famosas” zona de autossalvamento, quando não é possível a atuação do Estado nesse tipo de situação.
Há, para esses “vizinhos da sirene”, além da exposição contínua ao risco potencial, que é fruto de mera questão geográfica na elaboração dos projetos das minas e dos Planos Diretores Municipais (quando considerados), uma série de fatores imponderáveis, como danos biopsicossociais e desvalorização de imóveis, dentre muitos outros.
No caso de Congonhas, por exemplo, moradores teriam, numa hipótese de um rompimento catastrófico da gigantesca barragem CASA DE PEDRA, localizada em zona urbana, poucos segundos para sair e se salvarem por conta própria. No entanto, ali moram e vivem.
O fato consumado que gerou essa massa de “atingidos” tem causas e causadores, seja em decorrência de licenciamentos simplificados e simplistas, projetos elaborados sem considerar a questão social – omissões e falhas humanas de toda sorte.
Acrescente-se ao potencial de risco os incontroláveis eventos da natureza, como possibilidade de tremores de terra e inundações – o que não importa: o risco da atividade deve ser suportado pelo empreendedor. É o que manda a lei.
O dano ambiental, informado pela teoria do risco integral, não admite excludentes de responsabilidade. Quem tem barragem, tem legislação a cumprir e esclarecimentos a dar aos seus vizinhos.
A evolução legislativa de uma política para atingidos, como a que está em proposição, deve fluir, no nosso entendimento, no sentido de se reduzir a proporção de populações atingidas. Ações de prevenção, visando a redução de potenciais vítimas, estão previstas também no ordenamento urbanístico territorial (artigos 30 e 182 da Constituição de 1988), bem como no licenciamento ambiental, nas normas de segurança de barragens e de Defesa Civil. Infelizmente, falta muito na aplicação desses instrumentos a necessária efetividade, o caráter preventivo.
A prevenção, em todo caso, é o estado da arte . A reparação é um dever, mas nem sempre ela é possível em sua integralidade. As recentes e numerosos perdas de vidas e os danos ambientais irreparáveis devem ser os orientadores da reflexão no desenvolvimento dessa PL, de que muita coisa pode (e deve) ser feita para que tenhamos uma drástica redução no número de atingidos de todas as classes no estado de Minas Gerais.
Nada paga e nem faz regressar uma só vida perdida. Portanto, a prevenção deve ser o foco, considerando o que ensina a sabedoria popular: “mais vale prevenir do que remediar”.
Sandoval de Souza Pinto Filho é morador de Congonhas/MG, técnico aposentado e bacharel em Direito.
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Mais uma ótima matéria!!!!!