ARTIGO | 6 Anos do desastre da Samarco: preservar o patrimônio cultural escutando os atingidos

Hoje, 5 de novembro de 2021, completam seis anos de um dos maiores desastres socioambientais do planeta: o rompimento da barragem de rejeitos de minérios de Fundão, provocado pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP. O “mar de lama” devastou a Bacia do Rio Doce, deixando um passivo ambiental alarmante e milhares de pessoas atingidas do estado de Minas Gerais ao Espírito Santo. 

O Lei.A foi criado um ano após esse desastre, por iniciativa da Associação dos Observadores do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural de Minas Gerais e com apoio do Ministério Público de Minas Gerais, para o acompanhamento do então Projeto de Lei “Mar de Lama Nunca Mais” (aprovado após intenso trabalho do MPMG e pressão da sociedade civil e da imprensa) e de outras questões ambientais. Desde então, o Lei.A tem a função social de usar a Comunicação Ambiental como ferramenta para o empoderamento da sociedade civil no sentido de evitar retrocessos e conquistar avanços na proteção do meio ambiente natural e cultural. 

Para marcar esses seis anos da tragédia, nós, do Lei.A, dividimos com você esse artigo da arquiteta, especialista em Patrimônio Cultural e nossa colaboradora, Flora Passos (*).


Conheça, monitore e aja

Para marcar os seis anos, o Lei.A traz o convite para uma nova reflexão sobre uma temática, até então, pouco discutida. Ele faz um alerta sobre a importância em se conhecer as diferentes comunidades atingidas do município de Mariana/MG e pensar na preservação do patrimônio cultural como possibilidade de apropriação dos territórios e de resistência a favor da luta pela reparação integral que está longe de se tornar realidade.

Em Mariana foram atingidas as comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras e Campinas. 

Bento Rodrigues | Foi a primeira localidade atingida pelos rejeitos de minérios. Vidas foram perdidas e centenas de famílias sofreram deslocamento físico compulsório, aguardando até hoje os reassentamentos, assim como as demais ações de reparação. Nos finais de semana, a área de origem impactada pelos rejeitos, saques e pelo dique S4 (um obra paliativa que deveria ser momentânea, mas vai se perpetuando), é lugar de celebrações religiosas e encontros comunitários. Para que a apropriação do território seja preservada com segurança é necessário escutar a comunidade, suas falas e práticas socioculturais. São evidentes demandas por serviços básicos para o convívio social, como água e luz por exemplo, além do descomissionamento do dique S4 – que resultou no alagamento de extensa área com vestígios do desastre – e das estruturas da mineração à montante que ainda podem causar risco.


Paracatu de Baixo | assim como Bento Rodrigues, foi devastado pelos rejeitos de minério e sua comunidade também aguarda os reassentamentos e demais ações de reparação sob responsabilidade da Fundação Renova. O território atingido, ainda habitado por algumas famílias, é acesso para outras localidades rurais e continua sendo apropriado coletivamente durante manifestações religiosas e outros eventos. 

As populações de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo conquistaram o direito da não-permuta, mantendo-se proprietários de seus terrenos nas áreas de origem, independentemente da restituição da moradia em outro local. Garantiram outro importante acordo judicial, para que sejam os principais definidores sobre a destinação dos territórios atingidos, com apoio do Poder Público.


Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras e Campinas | Foram também atingidas pelo rompimento da barragem de Fundão, no entanto, suas demandas e questões costumam receber menor visibilidade. Essas famílias, que permanecem em suas terras, muitas vezes em situação de isolamento comunitário, convivem diariamente com os rejeitos de minério no solo, ar e água, havendo casos de reconstruções de moradias sobre os rejeitos. 

O risco de contaminação à saúde é apenas um dos problemas que impedem a retomada dos modos de vida dessas comunidades, podendo ser incluídos o aumento da insegurança, a falta de serviços básicos e a não restituição de espaços de uso coletivo para a manutenção dos laços intra e intercomunitários.

A partir de suas práticas e lutas pela reparação integral, as pessoas atingidas de Mariana ensinam que o patrimônio cultural é vivo e que ações preservacionistas devem reconhecer a apropriação coletiva dos territórios, além da diversidade das demandas e desejos das comunidades, a curto, médio e longo prazo.


(*) Fotos: Flora Passos Fonte: PASSOS, Flora d’El Rei Lopes. Cidade Tombada, Cidade Tomada: sobre-vivências e re-existências a partir do rompimento da barragem de Fundão em Mariana-MG. 2019. 266 p. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo/NPGAU, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2019. Disponível em: https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/34015.

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