Atividade aumentou capacidade dos ativistas de cobrar direitos, criar redes e se comunicar diretamente com a população. Próxima oficina será realizada em Itabirito em defesa da Estação Ecológica de Arêdes.

Crédito: Sandoval Souza Pinto/Unaccon
De um lado, moradores de Congonhas que vivem há anos o fantasma de um rompimento de barragem a poucos metros de suas casas. De outro, 14 atingidos de Mariana, Barra Longa e Gesteira, que já viveram o drama de perder tudo após o rompimento da barragem de Fundão, em novembro de 2015. O encontro inédito foi o mote do seminário “Barragens: da Não Construção ao Rompimento”, realizado em Congonhas pelo Lei.A no último final de semana, na Associação dos Moradores do bairro Residencial Gualter Monteiro, em parceria com o coletivo Margarida Alves e com o Jornal A Sirene. Cerca de 60 moradores participaram das atividades.
Milton Manoel de Sena, aposentado, saiu por volta das 10h30 de Mariana para Congonhas no último sábado. Atingido aos 62 anos pela maior tragédia socioambiental da história do Brasil, ele viu a lama cobrir todo seu terreno no distrito de Ponte do Gama e, desde então, luta pela reparação de quem, como ele, perdeu amigos, bens e a própria tranquilidade. “A gente que viu o estrago sabe bem da importância de trabalhar muito para que coisas como essas não aconteçam de novo. Quando vi a barragem em Congonhas o corpo deu até uma tremedeira, mas, para a gente, esse encontro só agrega dentro do processo que fazemos de apoio a quem passa por isso”, disse Milton, que partilhou a van para Congonhas com outros 13 atingidos pela tragédia de Mariana.

Crédito: Sandoval Souza Pinto/Unaccon

Crédito: Sandoval Souza Pinto/Unaccon
“Foi muito emocionante ver uma senhora de Paracatu de Baixo relatando, dentro de um salão a 800 metros do maciço Casa de Pedra, o que viu acontecer com sua casa sendo arrastada a mais de 65 quilômetros da Barragem de Fundão. Nos mostra que os impactos são para todos e não apenas para quem é vizinho de barragem”, alertou Sandoval Souza, diretor de Meio Ambiente e Saúde da União de Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon).
Evidência disso, disse Sandoval, foi o interesse de distintas comunidades do município em relação ao seminário. Além de moradores dos bairros Residencial e Cristo Rei – que seriam imediatamente impactados no caso de algum rompimento no perímetro urbano de Congonhas -, também participaram do encontro moradores e representantes da Defesa Civil de Jeceaba e Caetano Lopes, localidade rural que está a cerca de 8 quilômetros a jusante das barragens do município. “Primeiro e mais importante é essa união entre pessoas que vivem distantes mas que descobrem que têm desafios tão comuns”, destacou.
Troca de experiências
Além dos atingidos, participaram do seminário comunicadores, engenheiros, advogados, juristas e ambientalistas. Foram discutidos temas como estratégias de atuação conjunta em audiências públicas, a tradução de documentos técnicos sobre barragens para a linguagem popular, canais para articulação direta entre os atingidos e os órgãos de governo e a criação de redes capazes de aumentar a capacidade de ativistas e entidades ambientalistas em se comunicar diretamente com a população.
“A gente viu pontos em comum na falta de comunicação, principalmente em relação às barragens e como fazer esse diálogo entre empresas e comunidades”, destacou a jornalista e oficineira Silmara Figueiras.Editora do Jornal A Sirene, iniciativa de comunicação criada pelos atingidos após a tragédia na bacia do Rio Doce, ela diz que haverá, como resultado do encontro, uma coluna na próxima edição do jornal inteiramente dedicada às demandas da população de Congonhas por mais segurança nas barragens do município.“Para a gente foi uma experiência muito bacana. Saímos daqui sem saber o que iríamos encontrar e vimos que o que eles falaram são desafios pelos quais a gente passa”, disse.
Futuro
Além dos desafios em Mariana e Congonhas, os participantes cobraram também a aprovação de uma legislação estadual mais rígida para a construção de novas barragens de rejeito por indústrias e mineradoras. O principal projeto de lei a respeito é o 3676, atualmente em tramitação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Entre as principais mudanças, o projeto torna obrigatória a realização de audiência pública junto às comunidades diretamente afetadas pelos empreendimentos, proíbe a instalação de barragens em cuja área seja identificada alguma forma de povoamento ou manancial de água que seriam atingidos em caso de rompimento, exige das empresas a contratação prévia de seguro e proíbe a instalação de barragens de rejeito pelo método de alteamento a montante (que permite que a barragem seja ampliada para cima quando fica cheia).

Crédito: Sandoval Souza Pinto/Unaccon
Outra reivindicação dos moradores de Congonhas é a proibição do alteamento da barragem Casa de Pedra, represa mais próxima de uma área urbana no Brasil. Representantes de associações de moradores e de entidades de classe do município chegaram a entregar à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa um abaixo assinado exigindo que a barragem, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), não seja alteada acima da cota atual de 933 metros.
O documento foi entregue ao presidente da comissão, deputado Cristiano Silveira (PT), durante audiência pública realizada em outubro do ano passado. O pedido da comunidade contraria decisão da empresa que aguarda licenciamento para o alteamento da barragem desde 2014. Localizada a menos de 300 metros do perímetro urbano, a barragem fica próxima a bairros populosos, como o Residencial e o Cristo Rei.
Próxima oficina
A próxima oficina do Lei.A será realizada no sábado, dia 28 de abril, em São Gonçalo do Bação, na zona rural de Itabirito. A comunidade é vizinha da Estação Ecológica de Arêdes, atingida por uma lei Frankenstein que eliminou mais de cem hectares em áreas protegidas desta unidade de conservação em benefício de uma mineradora cujas barragens sequer tinham estabilidade garantida segundo a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam). A comunidade de São Gonçalo do Bação é abastecida por nascentes protegidas pela Estação Ecológica de Arêdes (Saiba mais sobre o caso aqui).
“Todas as oficinas que o Lei.A promove são solicitações das próprias comunidades. Nosso papel, com o apoio do Ministério Público de Minas Gerais, é o de agir como facilitadores para empoderar cidadãos, coletivos e entidades da sociedade civil para que possam se comunicar melhor e de forma mais direta com a população”, destaca Leonardo Ivo, integrante do Lei.A e presidente da Associação dos Observadores do Meio Ambiente e do Patrimônio Cultural de Minas Gerais.
A primeira oficina realizada pelo Lei.A ocorreu no dia 8 de abril, em parceria com a ONG Abrace a Serra. Durante a atividade, ambientalistas históricos que atuam na entidade debateram técnicas de comunicação para mobilização social. O objetivo da oficina também foi ampliar a comunicação direta entre os defensores da Serra da Moeda e a população mineira.
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[…] Além dos atingidos, participaram do seminário em Congonhas comunicadores, engenheiros, advogados, juristas e ambientalistas. Foram discutidos temas como estratégias de atuação conjunta em audiências públicas, a tradução de documentos técnicos sobre barragens para a linguagem popular, canais para articulação direta entre os atingidos e os órgãos de governo e a criação de redes capazes de aumentar a capacidade de ativistas e entidades ambientalistas em se comunicar diretamente com a população (Saiba mais sobre a atividade aqui). […]